Profundamente conectados e conhecedores de si próprios, esses líderes combinam pensamento claro com engajamento emocional
Estou
entre os que acreditam que a análise de realidades complexas, como a da
sustentabilidade, e mais especificamente da liderança para a
sustentabilidade, não podem mais ser feitas com base em raciocínios
simplistas. Isso explica o meu mergulho mais recente no modelo integral,
um modelo de pensamento que começou com Platão e a sua definição de
bondade, verdade e beleza e, que mais modernamente, foi reinterpretado
pelo filósofo americano Ken Wilber a partir da teoria dos quatro
quadrantes.
Segundo Wilber, o conceito de integral pressupõe analisar a
realidade com base em influências psicológicas (interior-Individual),
comportamentais (individual-exterior), culturais (coletivo-interior) e
dos sistemas (coletivo-exterior). O fato é que quando o assunto é
sustentabilidade, por exemplo, tende-se a uma análise focada em apenas
um dos quadrantes, o de sistemas e estruturas. Aspectos individuais como
sentimentos, visões de mundo e experiências assim como cultura,
educação, imaginário, interações sociais e comportamentos são menos ou
nada considerados – nem como fatores de motivação nem como obstáculos. E
assim perde-se profundidade.
Por conter variáveis em quatro dimensões, o modelo integral oferece
contribuições importantes também para pensar sobre a liderança para a
sustentabilidade. Nesse sentido, e procurando ampliar perspectivas já
apresentadas no meu livro Conversas com Líderes Sustentáveis (editora
Senac-2011), recorro a Barrett Brown, diretor executivo do Integral
Sustainability Center e entrevistado da atual edição da revista Ideia
Sustentável (27, março de 2012). Ao final de seu estudo de doutorado,
denominado Liderança no Limite: Liderando a Mudança a partir da
Consciência Pós-Convencional, Barrett definiu 15 competências para
líderes de sustentabilidade "com uma lógica de ação avançada".
Algumas dessas competências enxerguei, com maior ou menor ênfase, nos
10 líderes entrevistados para o livro. Cinco delas situam-se num campo
que, segundo o modelo integral de Wilber, tem a ver com um certo tipo de
mindset, isto é, com características psicológicas muito específicas,
dessas que não se ensinam nas escolas de negócio.
Profundamente conectados e conhecedores de si próprios, esses líderes
combinam pensamento claro com engajamento emocional. Além da razão,
utilizam a intuição como companheira na hora de tomar decisões. Para
eles, sustentabilidade não é apenas uma "estratégia" pragmática ou uma
"ferramenta", mas um modo de transformar a si mesmos, os outros e o
mundo. Mais do que a média dos líderes convencionais, lidam de modo
pró-ativo com a incerteza inerente às mudanças de modelos de negócio
porque confiam em si mesmos e se orientam pela força de suas convicções,
valores e princípios.
E, por fim, conjugam a boa e velha resiliência – uma dessas
competências considerada chave por dez entre dez recrutadores globais –,
que funciona como uma espécie de vacina contra a oposição quase sempre
contagiante dos céticos, indiferentes e adeptos convictos do bottom
line, com uma interessante capacidade generalista de integrar diferentes
perspectivas da sustentabilidade sem professar uma delas em particular.
Para ilustrar cada uma dessas "competências", as histórias relatadas
no livro assomam à memória sem nenhum esforço. Foi uma concessão à
intuição o que se deu com Fábio Barbosa, no início dos anos 2000, então
presidente do banco Real, quando rejeitou os conselhos racionais de
consultores e preferiu criar uma cultura de sustentabilidade não a
partir da imposição de regras e estruturas, mas do fortalecimento da
consciência de cada um dos funcionários e colaboradores do banco. A
respeito dessa decisão – vale ressaltar –, não havia à época nenhum
benchmarking sobre o qual se debruçar, de modo que a experiência
convencional de planejar utilizando elementos comparativos do passado
valia pouco ou nada diante do desafio de "criar" o novo. Líderes
sustentáveis são, em grande medida, criadores de futuro – e se entregam a
essa tarefa, racional e emocionalmente, com alto nível de energia e
determinação. Não surpreende, portanto, que vários deles, ao longo das
entrevistas, tenham se referido à sustentabilidade como uma "causa" –
mais do que profissional, uma causa de vida, convém reforçar.
Intuitivo foi também o executivo cubano Héctor Núñez, em 2008, então
CEO do Walmart, ao criar um personagem – o Capitão Água – e
incorporá-lo, com capa e tudo, numa convenção para milhares de
funcionários. A maioria esmagadora dos presidentes que conheço sequer
pensaria na hipótese de tal nível de exposição – por timidez, excesso de
zelo ou receio de virar objeto de assunto jocoso na rádio peão. Núñez
agiu movido pela convicção de que a superexposição nesse nível de
simbologia acessível era a forma mais eficiente – e genuína – de
beliscar o imaginário da tropa e comunicar o valor da sustentabilidade
para um grupo de colaboradores de baixa escolaridade. Horizontalmente,
de igual para igual, sem a empáfia verborrágica das políticas de quadro
pendurado na parede.
Se utilizasse apenas a "antena" racional, seguindo a cartilha do
business as usual, o mais provável é que Paulo Nigro, presidente da
Tetra Pak para o Brasil e América Latina, não tomaria a decisão que
tomou em 2009, no auge da crise econômica. Àquela altura, com o preço do
papel em queda no mercado internacional – e por tabela, o de reciclados
idem –, as cooperativas de catadores, criadas e apoiadas pela Tetra
Pak, poderiam se romper por falta de compradores e preço justo,
devolvendo à mendicância os recém-empoderados profissionais da
reciclagem. Nigro assumiu o compromisso e, claro, os custos não
planejados de estocagem do material reciclado por um período de meses, o
que garantiu não só a sobrevivência das cooperativas, mas o seu
fortalecimento com base em elos mais sólidos e tonificados pela
confiança. Quantos líderes agiriam assim? Desconfio que poucos.
Quem conversa com Guilherme Leal, cofundador da Natura e hoje
copresidente do seu Conselho de Administração, percebe muito rapidamente
que a sustentabilidade não representa uma estratégia, dessas que
empresas constroem "de fora para dentro", pragmaticamente, como resposta
ao que "demandam" entidades generalizantes como o "mercado" ou o
"consumidor." Na visão de Leal, o conceito expressa um modo de ver,
perceber e se relacionar consigo próprio, com os outros e com o planeta,
baseado na noção de interdependência. É intrínseco. Nele, como nos
demais líderes sustentáveis, a referência a esse conceito sistêmico não
soa como o mantra vazio ouvido a torto e a direito nas empresas que, sem
nenhuma noção da irresponsabilidade desse tipo de afirmação, dizem
praticar o triple bottom line desde criancinha. O líder sustentável é
alguém que "lidera com valores".
E liderar com valores tem mais a ver com a dimensão do "saber ser",
do que a do "saber fazer". Foi isso o que extraí de conversas com José
Luciano Penido (Fibria), Franklin Feder (Alcoa) e Luiz Ernesto Gemignani
(Promon). Generalista convicto e de temperamento afável, gestor
sensível às relações interpessoais e um catequizador paciente, Penido
tem se dedicado à tarefa de criar a cultura do "lucro admirado" na nova
geração de líderes da Fibria, utilizando o mesmo método que Feder, da
Alcoa, utilizou para edificar em Juruti (PA) uma das experiências mais
sustentáveis de mineração de bauxita no mundo: ouvir, com a humildade de
quem aprende, o que pensam os públicos impactados pelo negócio. Não se
trata aqui de ouvir por ouvir, como muitas empresas fazem nos seus
protocolares painéis de stakeholders. Mas ouvir com respeito, de um modo
emocionalmente engajado, sem antagonismos, compreendendo, enfrentando
de cara limpa a essência dos conflitos, valorizando as diferenças e
construindo as conexões necessárias para operar em harmonia com as
comunidades e o meio ambiente. Capacidade de se conectar é uma
competência perceptível entre os líderes consagrados no tema.
Líderes sustentáveis são, como bem exemplificou Gemignani, da Promon,
mais jardineiros do que comandantes militares. São indivíduos cujo
perfil se caracteriza por profunda compreensão humana, orientados por
propósitos e causas, movidos mais por aspirações do que ambições. E
eles estão em todas as organizações, nas mais diferentes posições e
estratos hierárquicos. Felizes daquelas que, com um olhar integral,
souberem criar as condições para a sua semeadura.
http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/lideres-sustentaveis-intuitivos-e-emocionais/65636/