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domingo, 30 de junho de 2013

Ética: O que você faz quando ninguém está olhando?

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Muito bem treinados para o exercício da moral, mas e quanto à ética?

Beatriz Carvalho, 26 de junho de 2013

Entendidos de que ética tem ampla relação com os princípios ideais da conduta humana, e moral à prática dos bons costumes em sociedade, ao entrarmos de cabeça no assunto fica difícil entender porque esses dois conceitos não caminham juntos na prática, já que (na teoria) ambos poderiam, basicamente, ser aplicados como consequência um do outro.
Pensando-os separadamente, no caso da moral, é mais comum a encontrarmos em nosso dia a dia, visto que exercer uma conduta moral é premissa básica para se ter a mínima aceitação em sociedade, como jogar lixo no cesto de lixo, por exemplo. Já a ética é algo mais profundo, ligado ao caráter construído ao longo da vida, mas que não necessariamente lhe torna suscetível a algum tipo de punição ou exclusão por uma atitude considerada não ética pela maioria, como fazer a coleta seletiva do seu lixo.

Levando esses conceitos para o universo corporativo e fazendo uma análise muito particular, acredito que a facilidade no acesso ao julgamento da maioria pelo certo e pelo errado através dos meios de comunicação, somados à nítida escassez de educação familiar, tornou as pessoas muito mais preparadas para o exercício da moral com suas gentilezas, mas facilmente corrompidas quando colocadas à prova de seu caráter.

Exemplos disso estão nos desabafos surpreendentemente sinceros de quem costuma ter sempre um discurso pronto, nas decisões individuais de impacto coletivo ou nos trabalhos coletivos de avaliação individual, na pressão para se manter sempre bem relacionado e no constante jogo de interesses que precisamos saber lidar diariamente. 

Mas como ficaria então o papel de um líder ao assumir a posição de propulsor de um ambiente de trabalho mais ético em meio a um universo altamente competitivo, para estimular o exercício de alguns valores entre sua equipe, de modo que isso se torne, no futuro, parte do caráter de cada um deles?

A reflexão fica ainda mais desafiadora ao perceber a amplitude das variáveis envolvidas no contexto da ética, pois o que pode ser ético para mim, pode não ser para você, e cá entre nós, na prática, nunca haverá argumentos suficientes para fazer o outro acreditar que uma atitude foi eticamente correta ou incorreta se ambos não forem anteriormente semelhantes em seus valores.

Devaneios à parte, deixo a reflexão a outras cabeças pensantes na esperança de que um dia esse assunto esteja mais presente, não só nas grandes convenções, mas nas conversas de corredor, nas rodas de bar ou quando ninguém estiver olhando.

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O efeito boomerang da bala de borracha

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17 de junho de 2013

Governos treinaram na Amazônia e nas periferias a repressão e a violência que hoje se vê nas cidades. É preciso ir para as ruas recuperar a democracia representativa

Alguns anos atrás, a geógrafa Bertha Becker disse numa entrevista à National Geographic Brasil que a Amazônia é uma fronteira. Segundo ela, "lá é possível observar as tendências mais recentes em curso no mundo." Tendência, uma palavra da moda, serve para indicar as transformações. Segundo Bertha, na Amazônia as grandes transformações mundiais são mais fáceis de ser percebidas do que no Rio de Janeiro e São Paulo, pois nessas cidades "a complexidade da vida social, econômica e política é tão grande, entremeada de tantas informações, que é difícil captar algum rumo novo."

Essa ideia da "tendência" pioneira na Amazônia pode ajudar a explicar de onde vem a violência na repressão dos protestos e movimentos sociais. A bala de borracha que cega manifestantes pelo passe livre em São Paulo, o gás que asfixia quem pergunta "Copa para quem?" No Rio ou em Brasília, já eram, de certa forma, sentidos em Altamira e em Porto Velho, no Sul do Pará, espalhando-se pelo Mato Grosso do Sul, Oeste do Paraná, e o país afora. Agora, chega nos centros dessa massiva urbanização que é o país.

Treinar a repressão e a violência na colônia, fronteira ou periferia, para depois utilizar na metrópole, ou no centro, é uma estratégia antiga do mundo colonial. Se o Brasil livrou-se de Portugal, o mesmo faz internamente na Amazônia. Saqueia os recursos e oprime a população local. O filósofo francês Michel Foucault chamou isso de "efeito boomerang".
A ideia de Foucault (que ele desenvolve a partir do trabalho de Hannah Arendt sobre o totalitarismo) é que o Ocidente treinava nas colônias os aparatos de repressão, instituições e técnicas de poder, que depois eram utilizados em suas colônias internas, contra a própria população. Como a França praticou em Algiers, depois em Paris.

Ridicularizar os 0,20 centavos no aumento da passagem é como Lula havia ridicularizado o delicioso, e importantíssimo para biodiversidade cultural da vida aquática amazônica, peixe dourada (brachyplatystoma rousseauxii) do rio Madeira.

Durante o processo de licenciamento ambiental das usinas Santo Antônio e Jirau em 2007 (o "Complexo Madeira", que inclui outras usinas que o governo quer construir), Lula havia ironizado a possibilidade de um "bagre" impedir uma usina e o progresso do país. "Agora não pode por causa do bagre, jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso?"

As usinas foram enfiadas goela abaixo da população, ao contrário do prometido por Lula, que dizia que tudo seria negociado e previamente informado. Denúncias de corrupção agora inundam Porto Velho, e o desmatamento explodiu na região, Jacy Paraná, cidade dormitório onde Jirau está sendo construída, tornou-se extremamente violenta, com grupos de extermínio matando lideranças locais (sempre com impunidade, como no caso de Osmar Lima dos Santos, assassinado em novembro de 2009, tesoureiro da associação comunitária), epidemia de crack, prostituição infantil. Pescadores e povos indígenas sofrem e já não sabem para quem recorrer – o Estado que deveria auxilia-los é o mesmo que destruiu suas vidas.

E quando os trabalhadores revoltaram-se pelas terríveis condições de trabalho, em março de 2011, lá foi a Força Nacional e a Polícia Militar testar como reprimir, amedrontar, partir com violência para intimidar protestos políticos. Era o teste. "Vim aqui para trabalhar, mas tratam a gente como presidiário", me disse um trabalhador na ocasião.

Nunca esqueço o relato de uma criança que escutei em Porto Velho. Ela tinha ouvido de um colega na escola, ameaçador: "Cala a boca senão eu vou chamar um peão de Jirau." O "peão" é como o "punk" que a PM diz que promovem "vandalismo" em São Paulo. Os trabalhadores eram os "vândalos", como são hoje os manifestantes nas cidades.

O bagre transformou-se em guarani e kaiowá no Mato Grosso do Sul. Virou kayapó, xikrin, arara, juruna e tantos outros no Xingu. Foi para o Tapajós, e agora o bagre é munduruku. Vão os mundurukus impedirem o progresso do país pois exigem seus direitos sobre as usinas no Tapajós? Assim seria, até o bagre também virar terena. Oziel Terena morreu, assim como Adenilson Munduruku, como bagres por balas da Polícia Federal. Impunemente. Sem palavras de perdão, desculpas ou lamentos pelo ministro José Eduardo Cardozo. Apenas lacônicas promessas de "investigação" – como se fosse preciso prometer investigar o que a lei obriga que seja investigado e punido.

O último "bagre" foi Celso Rodrigues Guarani Kaiowá, da aldeia Paraguassú, em Paranhos, assassinado por um pistoleiro que cobrou 600 reais por sua vida, semana passada, no Mato Grosso do Sul. Suspeitas recaem sobre o dono da fazenda Califórnia (que nome!). Os kaiowá lutam para retomar a Califórnia, entre tantas outras fazendas na região que invadiram seus territórios. São os bagres dos sojeiros, pecuaristas e usineiros.

Quem se revolta pelo aumento das passagens em São Paulo porta-se como um bagre do rio Madeira, como um munduruku, um guarani, um kayapó. Não adianta criticar o governo que incentiva a indústria automobilística e o consumo de carros, mas que considera subsídio indevido e abusivo investir no transporte público para a massa, para o cardume da população.

A situação é complexa. Quem luta pela democracia, hoje, é a "minoria". Assim como o PSDB não larga o poder em São Paulo há anos, promovendo tragédias e repressões extremamente autoritárias e violentas como foi o caso do Pinheirinho, periferia de São José dos Campos, em janeiro de 2012, também no plano federal (PT e coligações), quem é eleito pela maioria governa de forma autoritária promovendo uma política semelhante de repressão.

Como pode um governo democrático, eleito pela grande maioria do país, recusar-se a ouvir um povo indígena que será afetado por uma série de projetos hidrelétricos em suas terras? A revolta dos munduruku é a defesa da democracia. A revolta dos terenas, dos guaranis e kaiowas no Mato Grosso do Sul, é a defesa da democracia e do Estado de Direito contra a pistolagem ruralista. "Os índios protestam nacionalmente", disse o antropólogo Carlos Fausto em entrevista aqui no blog. "Isso tudo foi para lembrar que Belo Monte é aqui. E que aqui todo mundo é índio, exceto os de sempre.", escreveu o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro no twitter (@nemoid321).

A luta em São Paulo pelos 0,20 centavos é a luta pela democracia. Pela democracia que deveria ser representativa. A "minoria" de jovens que luta pela democracia dos transportes público para a "maioria" da população – "minoria" e "maioria" são ideias cada vez mais complicadas, ainda mais em um país onde 200 deputados representam 1% dos detentores de terras, que têm em suas mãos metade do país e se dizem "produtores" (mas não se sabe produtor do quê, se é de álcool para o transporte privado, de ração para porcos na China ou de gado para o Irã).

Essa sim uma verdadeira minoria, o 1% que decidiu criar uma lei em benefício próprio e que incentiva a destruição de florestas, o "Código Florestal". E que vaiaram nesse mesmo dia da votação, como em um espetáculo fascista, o anúncio da morte do casal de ambientalistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo no Congresso Nacional. Quem eles representam?

A rua hoje é legítima. Somos todos bagres. Somos todos índios. Somos todos a favor do transporte público. E o uso da força, da bala de borracha, do gás, é mais um ataque a democracia e ao Estado de Direito. E mais um ataque à socio-cultural-bio-diversidade que colore o Brasil, e que está sendo asfixiada, desmatada e barrada.

Por: Felipe Milanez Fonte: Revista Carta Capital

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Você está preparado para a economia da ampulheta?

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Com mudanças no mercado, trabalhadores do conhecimento tendem a ocupar, cada vez mais, os principais espaços. Os restantes vão ter que correr atrás

Fábio Zugman, 25 de junho de 2013

Shutterstock
A natureza do trabalho está mudando. Trabalhos complexos que dependem de pessoas especializadas vão pagar cada vez mais. Trabalhadores do conhecimento, executivos de alto escalão, médicos altamente treinados, programadores e outras pessoas que usam sua inteligência no mercado, podem esperar ser cada vez melhor remunerados.

Por outro lado, trabalhadores da linha de frente, aqueles no balcão de atendimento dos restaurantes, e outra tarefas que não exigem tanto estudo, podem esperar ficar cada vez mais distantes dos requisitos necessários para chegar ao primeiro time. Sem habilidades diferenciadas, essas pessoas estão fadadas a ganhar a vida executando tarefas simples, com poucas perspectivas de crescimento.

E o pessoal do meio? Os gerentes médios, profissionais sem especialização, aqueles fáceis de substituir ou até automatizar com um bom sistema de informação? Esses vão se tornar cada vez mais raros (e pobres).

Não estou falando, caro leitor, de um futuro distante que vi em algum sonho ou nas borras de chá. Estamos falando da "economia da ampulheta", tema que está se tornando realidade em países como Estados Unidos e Inglaterra, e que em breve podemos esperar chegar por aqui.

O raciocínio é mais ou menos o seguinte: antigamente as empresas precisavam de grandes contingentes de pessoas de "nível médio". Fossem os gerentes e supervisores em grandes empresas, ou aqueles funcionários responsáveis por um ou outro processo. Essas pessoas possuíam algum nível educacional, mas nada de destaque, e um salário que os colocavam na classe média para o resto da vida.

Então vieram os avanços da reengenharia. Diferentes técnicas e tecnologias de gestão achataram cada vez mais as empresas, melhorando os resultados e de quebra tornando irrelevante o trabalho de muita gente. Ao mesmo tempo, a tecnologia da informação crescia, sistemas automatizados avançavam em todas as carreiras profissionais, melhorando muita coisa ao mesmo tempo que tornavam os profissionais responsáveis em reunir, processar e buscar dados cada vez mais irrelevantes. Outras tecnologias, como a robótica, reduziram imensamente a necessidade de pessoal enquanto aumentavam a produtividade. Tarefas que precisavam de centenas de trabalhadores agora são feitas com poucas pessoas qualificadas.

Com isso tudo, alguns países já estão tendo que lidar com um fenômeno novo: De um lado, uma elite profissional altamente qualificada, com salários e perspectivas fantásticos. De outro, uma grande massa de pessoas fazendo trabalhos braçais, necessários mas que não dependem de nenhuma qualificação. A classe média, cada vez mais espremida, começa a sumir. Daí o nome: Ao invés da tradicional pirâmide de classes, com uma maioria na classe baixa, seguida de classe média e os ricos no topo, as sociedade modernas estão começando a parecer mais com ampulhetas: Um maior número de ricos, um maior número de pobres, e menos gente entre eles.

Antes que alguém venha jogar pedras e dizer que a solução é o comunismo, lembro que os fatores que estão levando a isso dependem mais da natureza do conhecimento e do trabalho no século XXI do que algum plano malvado. O trabalho ficou mais complexo, e quem sabe lidar com isso é bem remunerado. Quem ficou para trás ficará ainda mais para trás.

No Brasil, apesar de termos nossas peculiaridades, podemos prever que ocorrerá algo parecido. Afinal, é um fenômeno do tempo em que vivemos. Em todo caso, é sempre melhor se preparar para uma mudança, mesmo se o impacto aqui não for o mesmo, do que não fazer nada e ser pego desprevenido.

A boa notícia é que o caminho para o topo da ampulheta é bastante claro: Carreiras de alto valor agregado. Se o conhecimento que você possui, as habilidade que você tem e o trabalho que você desenvolve são sofisticados e diferenciados, o mundo nunca pareceu tão bom para você. A notícia é ruim para aqueles acomodados, felizes no conforto da mediocridade. Se seu trabalho é "mais ou menos", e hoje você se sente seguro, isso pode mudar rapidamente.

E então, você está preparado para viver na ampulheta?

As manifestações e a sustentabilidade

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Sociedade
26/6/2013 - 07h59

por Dal Marcondes, da Envolverde
ca19 300x198 As manifestações e a sustentabilidade 
Serviços públicos de qualidade podem liberar bilhões de reais da classe média para o crescimento econômico ao invés de pagar por serviços privados de qualidade duvidosa.

As pautas levantadas nas ruas das cidades brasileiras têm muito mais a ver com sustentabilidade do que normalmente se imagina. Não há nenhuma demanda clara por temas ambientais, no entanto, os temas sociais estão em todas as reivindicações. A melhoria de qualidade dos serviços públicos afeta diretamente a vida de todos os brasileiros, mesmo aqueles que acreditam não ser usuários desses serviços, seja na área de transporte, educação, saúde ou outra qualquer. Seria muito interessante que escolas públicas de qualidade comecem a atrair todos os estudantes e não apenas aqueles que não podem pagar, que o Sistema Único de Saúde seja de tal maneira eficaz que ninguém mais esteja disposto a deixar uma parte importante da renda em planos de saúde que nem sempre são o que prega a publicidade. Ou que o transporte público seja rápido e confortável e as pessoas preferam não gastar tanto dinheiro comprando carros, pagando seguros e manutenção ou estacionamentos simplesmente para poder ir e vir.

Um cenário de serviços de qualidade é exatamente o que vem defendendo o movimento pela sustentabilidade nas últimas décadas: uma sociedade com qualidade de vida e padrões de conforto sem a necessidade de altos desembolsos por serviços privados de eficácia também duvidosa. É preciso fazer o calculo da quantidade de dinheiro que seria liberado para que as pessoas e as famílias possam investir em outras coisas, como lazer, cultura, consumo e outras necessidades que ficam sempre abafadas por demandas supostamente prioritárias na divisão dos salários.

Os desembolsos da classe média com serviços que se sobrepõem aos oferecidos pelo poder público, em seus diversos níveis, podem ser redirecionados para alimentar um surto de desenvolvimento e crescimento da economia sem que seja necessário nenhum tipo de renúncia fiscal por parte do governo.

A simples aplicação correta do dinheiro público nos serviços que o Estado já presta e a melhoria da qualidade desses serviços pode gerar um círculo virtuoso de desenvolvimento no Brasil, além de ter impactos importantes em outras áreas, como a ambiental: mais gente andando de transporte público significa menos emissões de CO² por carros nas cidades, maior fluidez no trânsito e menos desperdício de tempo. Há cálculos que buscam dimensionar as perdas econômicas dos congestionamentos, ou seja, muito dinheiro também será liberado para o crescimento econômico com a eficiência do transporte.

Escolas de qualidade, SUS de qualidade, transporte de qualidade podem ser o grande acelerador para a transição para uma sociedade mais sustentável. Depois há mais a ser feito, muito mais, mas esse é um ponto de partida com grande potencial. Outro efeito colateral será a possibilidade de ampliar a poupança interna, que nunca foi muito boa. Há efeitos colaterais para empresas de saúde e escolas privadas, mas investidores sempre encontram soluções para seus negócios. (Envolverde)

*Dal Marcondes é especialista em sustentabilidade e comunicação, diretor executivo da Envolverde.

(Agência Envolverde)

Momento histórico vivido no Brasil

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Esse cara sempre muito lúcido e profundo!

Sociedade

26/6/2013 - 09h29
por Leonardo Boff
ca28 300x160 Momento histórico vivido no Brasil
Estou fora do país, na Europa a trabalho e constato o grande interesse que todas as mídias aqui conferem às manifestações no Brasil. Há bons especialistas na Alemanha e França que emitem juízos pertinentes. Todos concordam nisso, no caráter social das manifestações, longe dos interesses da política convencional. É o triunfo dos novos meios e congregação que são as mídias sociais.

O grupo da libertação e a Igreja da libertação sempre avivaram a memória antiga do ideal da democracia, presente, nas primeiras comunidades cristãs até o século segundo, pelo menos. Repetia-se o refrão clássico: "o que interessa a todos deve poder ser discutido e decidido por todos". E isso funcionava até para a eleição dos bispos e do Papa. Depois se perdeu esse ideal nas nunca foi totalmente esquecido. O ideal democrático de ir além da democracia delegatícia ou representativa e chegar à democracia participativa, de baixo para cima, envolvendo o maior número possível de pessoas, sempre esteve presente no ideário dos movimentos sociais, das comunidades de base, dos Sem Terra e de outros. Mas, nos faltavam os instrumentos para implementar efetivamente essa democracia universal, popular e participativa.

Eis que esse instrumento nos foi dado pelas várias mídias sociais. Elas são sociais, abertas a todos. Todos agora têm um meio de manifestar sua opinião, agregar pessoas que assumem a mesma causa e promover o poder das ruas e das praças. O sistema dominante ocupou todos os espaços. Só ficaram as ruas e as praças que, por sua natureza, são de todos e do povo.

Agora, surgiram a rua e a praça virtuais, criadas pelas mídias sociais.

O velho sonho democrático segundo o qual o que interessa a todos, todos têm direito de opinar e contribuir para alcançar um objetivo comum pode, enfim, ganhar forma.

Tais redes sociais podem desbancar ditaduras, como no Norte da África; enfrentar regimes repressivos, como na Turquia; e agora mostram no Brasil que são os veículos adequados de reivindicações sociais, sempre feitas e quase sempre postergadas ou negadas: transporte de qualidade (os vagões da Central do Brasil têm quarenta anos), saúde, educação, segurança, saneamento básico. São causas que têm a ver com a vida comezinha, cotidiana e comum à maioria dos mortais. Portando, coisas da Política em maiúsculo. Nutro a convicção de que a partir de agora se poderá refundar o Brasil a partir de onde sempre deveria ter começado, a partir do povo mesmo que já encostou nos limites do Brasil feito para as elites. Estas costumavam fazer políticas pobres para os pobres e ricas para os ricos. Essa lógica deve mudar daqui para frente. Ai dos políticos que não mantiverem uma relação orgânica com o povo. Estes merecem ser varridos da praça e das ruas.

Escreveu-me um amigo que elaborou uma das interpretações do Brasil mais originais e consistentes, o Brasil como grande feitoria e empresa do Capital Mundial, Luiz Gonzaga de Souza Lima. Permito-me citá-lo: "Acho que o povo esbarrou nos limites da formação social empresarial, nos limites da organização social para os negócios. Esbarrou nos limites da Empresa Brasil. E os ultrapassou. Quer ser sociedade, quer outras prioridades sociais, quer outra forma de ser Brasil, quer uma sociedade de humanos, coisa diversa da sociedade dos negócios. É a Refundação em movimento".

Creio que este autor captou o sentido profundo e, para muitos, ainda escondido das atuais manifestações multitudinárias que estão ocorrendo no Brasil.

Anuncia-se um parto novo. Devemos fazer tudo para que não seja abortado por aqueles daqui e de lá de fora que querem recolonizar o Brasil e condená-lo a ser apenas um fornecedor de commodities para os países centrais que alimentam ainda uma visão colonial do mundo, cegos para os processos que nos conduzirão fatalmente a uma nova consciência planetária e à exigência de uma governança global. Problemas globais exigem soluções globais. Soluções globais pressupõem estruturas globais de implementação e de orientação.

O Brasil pode ser um dos primeiros nos quais esse inédito viável pode começar a sua marcha de realização. Dai ser importante não permitirmos que o movimento seja desvirtuado. Música nova exige um ouvido novo. Todos são convocados a pensar este novo, dar-lhe sustentabilidade e fazê-lo frutificar num Brasil mais integrado, mais saudável, mais educado e melhor servido em suas necessidades básicas.

Leonardo Boff é filósofo, teólogo, escritor e comissionado da Carta da Terra.
** Publicado originalmente no site Adital.