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domingo, 27 de fevereiro de 2011

O que são negócios sociais?

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Jovens empreendedores como Alessandra França, do Banco Pérola, querem juntar em uma mesma iniciativa eficiência financeira, lucro e busca por melhorias sociais.
Renan Dissenha Fagundes
FALTAVA DINHEIRO
Alessandra França fundou o Banco Pérola aos 23 anos para ajudar jovens empreendores das classes C, D, E a conseguirem capital para financiar seus projetos.
Todo mundo já jogou ou sabe como funciona a dança das cadeiras: há sempre um lugar a menos do que o número de jogadores e quando a música para e as pessoas se sentam alguém sobra e é excluído da brincadeira. Agora imagine o mundo como uma grande dança das cadeiras, só que em vez de um, faltam quatro bilhões de lugares. Quatro bilhões de pessoas - cerca de dois terços da população mundial - sobraram, não conseguiram sentar e foram excluídas da sociedade contemporânea. Zygmunt Bauman escreve sobre essa condição no livro Vidas desperdiçadas, publicado em 2004. Bauman chama as pessoas que sobraram de “refugo humano”. De acordo com o sociólogo polonês, esse é um efeito colateral "inescapável" do progresso econômico. Por isso a ideia de que o planeta está cheio: o que falta não é espaço, mas "formas e meios de subsistência" para seus habitantes.
Essa massa de pessoas que sobraram é um dos principais problemas da nossa sociedade. A abordagem dos séculos passados era de mandar as pessoas que sobraram para lugares subdesenvolvidos e fingir que aqueles “lixões de refugo” não existiam. Com a globalização, entretanto, até mesmo os lugares mais atrasados começaram a sofrer pressões modernizantes: o mundo todo entrou na dança. Para o capitalismo do século 21, é necessário criar novos lugares para o maior número de pessoas possível. Por outro lado, não é novidade o discurso de que as classes sociais mais baixas têm um potencial econômico imenso. O desafio é tornar esse investimento atrativo e balancear rentabilidade e impacto social. Uma possível resposta para isso pode estar em algo conhecido como "negócio social".
Um negócio social tem lucro mas busca ao mesmo tempo exercer um impacto positivo na sociedade: uma espécie de híbrido entre uma empresa capitalista e uma ONG. Para Marcio Jappe, diretor executivo da Artemisia, empresa que treina pessoas para desenvolver e criar novos modelos de negócios, a pergunta por trás dessas iniciativas é: como transformar problemas sociais em oportunidades de negócios que promovam desenvolvimento humano? Jappe afirma que não é preciso escolher entre ganhar dinheiro ou fazer a diferença no mundo, você pode ter os dois ao mesmo tempo. A ideia é juntar o melhor do segundo e do terceiro setor: a eficiência econômica das empresas capitalistas com os impactos sociais planejados de ONGs e outras associações civis.
Um exemplo de negócio social brasileiro é o Banco Pérola. A microfinanciadora foi fundada em 2009 por Alessandra França, então com 23 anos, com ajuda da Artemisia. Trabalhando na coordenação de uma ONG, Alessandra percebeu que a falta de dinheiro e de crédito era um dos principais empecilhos para jovens empreendedores das classes mais baixas. Esse é exatamente o público-alvo do Pérola: pessoas de 18 a 35 anos das classes C, D e E. “Queremos ir à comunidade que a sociedade considera ferida, que quer botar para fora, e encontrar esses jovens talentos, as pérolas”, afirma. “Isso quebra o paradigma de que jovens não pagam e não têm comprometimento.” O Pérola emprestou mais de R$ 40 mil em 2010 e começa 2011 como correspondente de microcrédito da Caixa Econômica Federal.
Para criar o Banco Pérola, Alessandra foi inspirada pela iniciativa mais famosa - e pioneira - dos negócios sociais: o banco popular Grameen, de Bangladesh, criado em 1976 por Muhammad Yunus. Com a ideia simples de emprestar dinheiro para as camadas mais baixas e marginalizadas da população (quase a totalidade de seu país), Yunus, que ganhou o Nobel da Paz em 2006, inventou o microcrédito. Hoje, o Grameen já emprestou mais de US$ 8 bilhões para os pobres e serve de referência para uma nova geração que começa a desenvolver a ideia do negócio social e encarar sustentabilidade como uma vantagem competitiva. Os exemplos são abundantes e se espalham pelo mundo - sistemas de irrigação baratos no Quênia, um hospital de olhos na Índia, uma associação de produtores de alimentos ecológicos em São Paulo, entre outros.
O desenvolvimento desses negócios está em aberto e ainda não há muitos modelos consolidados. Nem mesmo o que fazer com os lucros é um consenso. No livro Criando um negócio social, em que conta o surgimento do Grameen, Yunus defende que nesse tipo de iniciativa - que ele considera importante para o futuro do capitalismo - os lucros devem ser totalmente reinvestidos no negócio. Vikram Akula, por outro lado, fundador do SKS Microfinance, maior banco de microcrédito da Índia, afirma que "não há conflito entre ambição social e econômica". O SKS está até na bolsa de valores: a empresa realizou um oferta pública de ações em 2010, o que resultou em críticas pesadas de Yunus, que diz não acreditar ser possível manter o foco no impacto social tendo que apresentar lucro para acionistas.
Dentro dessa diversas abordagens, parece existir uma ideia original: algo diferente de empresas e atividades sem fins lucrativos clássicas, que se relaciona com uma atual cultura de criar coisas novas a partir da convergência de práticas conhecidas. Embora as últimas décadas tenham visto o aumento do número de ONGs e o fortalecimento da filantropia, e agora empresas cada vez mais usem termos como “sustentabilidade” e “responsabilidade social”, uma abordagem própria na direção em que caminham os negócios sociais é importante. Essa diferença pode ser essencial para o desenvolvimento da sociedade do século 21. O próximo passo é colocar cada vez mais lugares na dança das cadeiras do mundo.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Uma rede de satélites dará Internet por baixo custo a meia humanidade

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El País
Rosario G. Gómez
Em Madri (Espanha)

A Internet está prestes a dar o grande salto para os países pobres. Uma rede de alta tecnologia avançada e de envergadura planetária oferecerá cobertura de banda-larga móvel a cerca de 3 bilhões de pessoas. Batizada de O3b (os Outros 3 bilhões, a metade da população), o projeto para conseguir uma internet global se baseia no lançamento de uma constelação de satélites na órbita do Equador que levarão o sinal da Nicarágua à Nova Zelândia, passando por Brasil, Nigéria, Síria, Etiópia e Índia.

Em 2010 calcula-se que cerca de 2 bilhões de pessoas tinham conexão à Internet. Mas uma grande parte da população internauta se concentra na América do Norte, Europa e Japão. O sul vive de costas para a rede. O sistema para reduzir a brecha digital consiste em levar aos países emergentes ou em desenvolvimento que ainda não entraram na sociedade da informação grandes dutos troncais de Internet através de satélites.

Os primeiros oito artefatos serão lançados em 2013. Uma sucessão de antenas ativas irá colhendo o sinal de um satélite para outro. Uma rede de teleportos instalados em diversos pontos do planeta permitirá baixar esses gigantescos dutos de Internet para diversas regiões. Um desses teleportos estará situado no sul da Espanha (previsivelmente na Andaluzia), de onde se canalizará a distribuição do sinal para boa parte do continente africano.

Outros teleportos serão instalados nas ilhas do Pacífico, Américas do Norte e do Sul, no Mediterrâneo oriental, no Oriente Médio e Austrália. Depois serão as operadoras de telecomunicações locais que distribuirão o sinal aos usuários, um processo que será realizado na maioria dos casos através de redes sem fio (Wimax ou 4G, por exemplo).

As cotas de cobertura de banda-larga através de cabo ou ADSL na África ou na América Latina são muito pouco frequentes. Abrir valas para estender cabos através da selva parece uma missão praticamente impossível. E a ineficiente infraestrutura de linhas de telefonia fixa (na Nigéria, cinco em cada cem lares não têm acesso a telefone) faz do satélite o método mais eficaz e barato para conectar a web com a mesma qualidade que oferece a fibra óptica.

Com um orçamento de US$ 1,2 bilhão, a O3b é promovida pela Sociedade Europeia de Satélites (SES), que contribui com 30% do investimento, a gigante americana da Internet Google, o banco SHBC e a Liberty Global. Como um parceiro tecnológico, a SES - companhia que explora o Astra - lançará ao espaço 20 satélites. Mas à diferença dos que são utilizados, por exemplo, para distribuir canais de televisão na Europa, não estarão situados em órbita geoestacionária (a 36 mil quilômetros da Terra), mas a 8.063, o que lhes permitirá ganhar em velocidade por estar quatro vezes mais perto do planeta.

Nos satélites tradicionais, o sinal demora para subir e descer cerca de 0,7 segundo. Com o sistema projetado pela O3b, que situa os satélites em uma órbita intermediária, a latência se reduz a 0,1 segundo. Essa nova geração de satélites permitirá conexões mais rápidas e flexíveis. Prestará serviço tanto às operadoras de telecomunicações como aos provedores de serviços de Internet.

A O3b é vista por seus promotores como uma fórmula para reduzir a lacuna digital entre um norte acostumado a conviver com iPhone, iPad e tabletes eletrônicos e um sul que vive à margem das TIC, as tecnologias da informação e comunicação.

"Não ter acesso à banda-larga tem consequências econômicas e sociais", diz José Luis Gárate, diretor de desenvolvimento e negócios da Astra. "A grande vantagem do satélite é a cobertura e a simultaneidade. Pode levar o sinal a milhares de milhões de pessoas. É a única infraestrutura que cobre o território de maneira homogênea e com a mesma qualidade de serviço", explica. Fundada por Greg Wyler, a O3b possibilitará que milhões de pessoas de mais de 150 países emergentes entrem no mundo digital e se conectem com o resto do mundo, por baixo custo e em alta velocidade. O sonho da Internet global.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

As secas devastam o "pulmão verde" da Amazônia

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Le Monde
Jean-Pierre Langellier
No Rio de Janeiro 


A floresta amazônica poderá, muito em breve, perder seu papel benéfico de maior "pulmão verde do planeta". É essa a alarmante previsão feita por uma equipe de climatólogos, dirigida pelo britânico Simon Lewis (Universidade de Leeds) e pelo brasileiro Paulo M. Brando (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, IPAM). As conclusões de seu estudo foram publicadas na sexta-feira (4), na revista americana "Science" ("The 2010 Amazon Drought"), por Simon Lewis, Paulo M. Brando, Oliver L. Phillips, Geertje M. F. van der Heijden, Daniel Nepstad).

Os autores baseiam seu prognóstico em uma constatação: as ondas de seca que atingem a Amazônia são cada vez mais intensas e mais frequentes. Elas destroem um número crescente de árvores que, ao se decomporem, liberam grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2). O processo de ressecamento também aumenta os incêndios florestais, grandes emissores de carbono.

Se esses episódios de seca persistirem no mesmo ritmo ou, o que é provável, se eles se acelerarem associados ao aquecimento planetário, a floresta amazônica emitirá mais carbono do que captará. Ela não será mais um "pulmão" precioso, onde a selva fixava de forma maciça o CO2 atmosférico graças à fotossíntese. Em vez de ser uma sequestradora de carbono, ela se tornará uma fonte de carbono.

O estudo publicado pela "Science", a partir de modelos construídos através de observações por satélite, compara as duas mais recentes secas, em 2005 e 2010. A primeira, por sua amplitude, foi batizada "seca do século" na Amazônia. Mas a segunda, somente cinco anos mais tarde, foi ainda mais forte.

A seca de 2005 afetou 1,9 milhão de quilômetros quadrados; a de 2010, 3 milhões de quilômetros quadrados. Os cálculos do déficit hídrico – que favorece ou causa a mortalidade das árvores – resultam nesse prognóstico de agravação do fenômeno. Em 2005, 37% da superfície total observada da Amazônia – 5,3 milhões de quilômetros quadrados – sofreu com falta de chuvas; em 2010, foram 57%.

Em 2005, o fenômeno comportava três epicentros: o sudoeste da Amazônia, o norte e o centro da Bolívia, e o Estado brasileiro do Mato Grosso. Em 2010, um único epicentro: o sudoeste da Amazônia. As duas secas ocorreram em um mesmo contexto climático regional: uma temperatura das águas superficiais do Oceano Atlântico superior à média.

Com base em correlações conhecidas entre seca e mortalidade das árvores, os autores do estudo preveem o impacto nocivo da seca de 2010: não só a floresta não poderá mais captar seu habitual 1,5 bilhão de toneladas de CO2, como também as árvores mortas, ao apodrecerem, soltarão 5 bilhões de toneladas de CO2 ao longo dos próximos anos. Em comparação, os Estados Unidos emitem anualmente 5,4 bilhões de toneladas de CO2 de origem fóssil.

Muitas incertezas persistem, especialmente sobre os volumes de árvores mortas pela seca ou sobre as reações do solo. Elas exigem medições e cálculos mais aprofundados. Mas, para os autores, a tendência não deixa dúvidas: ela é pesada e nefasta.

"Duas secas extremas a cada dez anos podem bastar para neutralizar a captação de carbono", explica ao "Le Monde" o professor Simon Lewis, coordenador dessa equipe. "Se esses fenômenos se revelarem ainda mais frequentes, a maior floresta primária do planeta se tornará uma grande fonte de gases de efeito estufa. Isso seria muito preocupante. Infelizmente, nossos modelos permitem prever um futuro sombrio para a Amazônia".

Os incêndios florestais são cada vez mais frequentes. Para o americano Daniel Nepstad, um dos coautores do estudo, metade da cobertura florestal da bacia amazônica está a ponto de não mais receber água o suficiente para enfrentar futuras temporadas muito secas.

Em 2010, o Amazonas, rio mais volumoso do mundo, atingiu seu nível mais baixo desde 1963. Essa queda dá continuidade a uma tendência constatada desde 1999. Uma evolução agravada pelo aquecimento climático global: "Na Amazônia", avisa Simon Lewis, "a temperatura poderá aumentar pelo menos 6 graus Celsius até o final do século 21".

Gases de efeito estufa, secas, destruição de árvores, incêndios, emissões crescentes de carbono intensificam o efeito estufa e o aquecimento climático: a Amazônia é o local de um círculo vicioso que pode aniquilar os inegáveis progressos conseguidos pelo Brasil em matéria de combate ao desmatamento, graças a medidas como um melhor monitoramento por satélite e uma maior repressão contra os madeireiros ilegais.

Tradução: Lana Lim

domingo, 6 de fevereiro de 2011

ENSINAMENTOS: Oito Versos que Transformam a Mente

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Vou agora ler e explicar brevemente um dos mais importantes textos sobre a transformação da mente, Lojong Tsigyema (Oito Versos que Transformam a Mente). Este texto foi composto por Geshe Langri Tangba, um bodisatva bastante incomum. Eu próprio o leio todos os dias, tendo recebido a transmissão do comentário de Kyabje Trijang Rinpoche.


1. Com a determinação de alcançar
O bem supremo em benefício de todos os seres sencientes,
Mais preciosos do que uma jóia mágica que realiza desejos,
Vou aprender a prezá-los e estimá-los no mais alto grau.

Aqui, estamos pedindo: "Possa eu ser capaz de enxergar os seres como uma jóia preciosa, já que são o objeto por conta do qual poderei alcançar a onisciência; portanto, possa eu ser capaz de prezá-los e estimá-los."

2. Sempre que estiver na companhia de outras pessoas, vou aprender
A pensar em minha pessoa como a mais insignificante dentre elas,
E, com todo respeito, considerá-las supremas,
Do fundo do meu coração.

"Com todo respeito considerá-las supremas" significa não as ver como um objeto de pena, o qual olhamos de cima, mas, sim, as ver como um objeto elevado. Tomemos, por exemplo, os insetos: eles são inferiores a nós porque desconhecem as coisas certas a serem adotadas ou descartadas, ao passo que nós conhecemos essas coisas, já que percebemos a natureza destrutiva das emoções negativas. Embora seja essa a situação, podemos também enxergar os fatos de um outro ponto de vista. Apesar de termos consciência da natureza destrutiva das emoções negativas, deixamo-nos ficar sob a influência delas e, nesse sentido, somos inferiores aos insetos.

3. Em todos os meus atos, vou aprender a examinar a minha mente
E, sempre que surgir uma emoção negativa,
Pondo em risco a mim mesmo e aos outros,
Vou, com firmeza, enfrentá-la e evitá-la.

Quando nos propomos uma prática desse tipo, a única coisa que constitui obstáculo são as negatividades presentes no nosso fluxo mental; já espíritos e outros que tais não representam obstáculo algum. Assim, não devemos ter uma atitude de preguiça e passividade diante do inimigo interno; antes, devemos ser alertas e ativos, contrapondo-nos às negatividades de imediato.

4. Vou prezar os seres que têm natureza perversa
E aqueles sobre os quais pesam fortes negatividades e sofrimentos,
Como se eu tivesse encontrado um tesouro precioso,
Muito difícil de achar.

Essas linhas enfatizam a transformação dos nossos pensamentos em relação aos seres sencientes que carregam fortes negatividades. De modo geral, é mais difícil termos compaixão por pessoas afligidas pelo sofrimento e coisas assim, quando sua natureza e personalidade são muito perversas. Na verdade, essas pessoas deveriam ser vistas como objeto supremo da nossa compaixão. Nossa atitude, quando nos deparamos com gente assim, deveria ser a de quem encontrou um tesouro.

5. Quando os outros, por inveja, maltratarem a minha pessoa,
Ou a insultarem e caluniarem,
Vou aprender a aceitar a derrota,
E a eles oferecer a vitória.

Falando de modo geral, sempre que os outros, injustificadamente, fazem algo de errado em relação à nossa pessoa, é lícito retaliar, dentro de uma ótica mundana. Porém, o praticante das técnicas da transformação da mente devem sempre oferecer a vitória aos outros.

6. Quando alguém a quem ajudei com grande esperança
Magoar ou ferir a minha pessoa, mesmo sem motivo,
Vou aprender a ver essa outra pessoa
Como um excelente guia espiritual.

Normalmente, esperamos que os seres sencientes a quem muito auxiliamos retribuam a nossa bondade; é essa a nossa expectativa. Ao contrário, porém, deveríamos pensar: "Se essa pessoa me fere em vez de retribuir a minha bondade, possa eu não retaliar mas, sim, refletir sobre a bondade dela e ser capaz de vê-la como um guia especial."

7. Em suma, vou aprender a oferecer a todos, sem exceção,
Toda a ajuda e felicidade, por meios diretos e indiretos,
E a tomar sobre mim, em sigilo,
Todos os males e sofrimentos daqueles que foram minhas mães.

O verso diz: "Em suma, possa eu ser capaz de oferecer todas as qualidades boas que possuo a todos os seres sencientes," — essa é a prática da generosidade — e ainda: "Possa eu ser capaz, em sigilo, de tomar sobre mim todos os males e sofrimentos deles, nesta vida e em vidas futuras." Essas palavras estão ligadas ao processo da inspiração e expiração.

Até aqui, os versos trataram da prática no nível da bodhicitta convencional. As técnicas para cultivo da bodhicitta convencional não devem ser influenciadas por atitudes como: "Se eu fizer a prática do dar e receber, terei melhor saúde, e coisas assim", pois elas denotam a influência de considerações mundanas. Nossa atitude não deve ser: "Se eu fizer uma prática assim, as pessoas vão me respeitar e me considerar um bom praticante." Em suma, nossa prática destas técnicas não deve ser influenciada por nenhuma motivação mundana.

8. Vou aprender a manter estas práticas
Isentas das máculas das oito preocupações mundanas,
E, ao compreender todos os fenômenos como ilusórios,
Serei libertado da escravidão do apego.

Essas linhas falam da prática da bodhicitta última. Quando falamos dos antídotos contra as oito atitudes mundanas, existem muitos níveis. O verdadeiro antídoto capaz de suplantar a influência das atitudes mundanas é a compreensão de que os fenômenos são desprovidos de natureza intrínseca. Os fenômenos, todos eles, não possuem existência própria — eles são como ilusões. Embora apareçam aos nossos olhos como dotados de existência verdadeira, não possuem nenhuma realidade. "Ao compreender sua natureza relativa, possa eu ficar livre das cadeias do apego."
Deveríamos ler Lojong Tsigyema todos os dias e, assim, incrementarmos nossa prática do ideal do bodisatva.
(Extraído de The Union Of Bliss And Emptiness.)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Amazônia Atlântica ou Atlântida?

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João Meirelles Filho Fev 03, 2011




Casa de pescadores nas areias de Curuçá, na costa do Pará.
Foto: Instituto Peabiru
Curuçá: grave este nome. Será repetido reiteradas vezes. É para este pequeno município do litoral paraense, a 130 km de Belém, que estão planejadas duas grandes obras da Amazônia, dois mega-portos: o Terminal Off-Shore do Espadarte e a Estação Flutuante de Transbordo da Anglo American.

Guarde também este tema: 2ª Esquadra da Marinha, a base está em definição, não se sabe se São Luís, Belém, Chaves no Marajó ou mesmo Curuçá. Além de decorar o nome dos peixes que adornam os poços de petróleo do Sudeste Atlântico do Brasil, prepare-se para fisgar mais alguns que produzirão gás natural e petróleo nas águas já salgadas da Amazônia Atlântica. É que, com o estudo de impacto ambiental aprovado, consultas públicas feitas, os consórcios liderados por empresas como Petrobras (Costa do Amapá) e OGX (Bacia Pará-Maranhão), prometem resultados a curto prazo.

Mas nem tudo é calmaria. O Brasil sonha com batalhas navais, para a qual investe mais de R$ 25 bilhões em submarinos, corvetas e sistemas de vigilância. Ao mesmo tempo, este mesmo país-Brasil não consegue organizar a navegação no interior da Amazônia, onde há mais de 100 mil barcos irregulares, e sequer se preocupa com o transporte escolar de centenas de milhares de ribeirinhos. Talvez alguns destes ribeirinhos venham a manejar estes potentes e milionários equipamentos que o país quer lançar ao mar.

Brasil estima que pelo menos 100 mil embarcações navegam irregularmente pela Amazônia. Regulação do transporte básico fluvial na região deveria ter prioridade sobre mega portos. Foto: Instituto Peabiru
As fragilidades de infraestrutura portuária que estrangulam o modelo exportador brasileiro não são de hoje. É fácil concluir que o Brasil não possui uma política de portos condizente com suas necessidades, especialmente nesta porção norte, na Amazônia Atlântica. Até o momento, a questão é tratada apenas nos corredores de gabinetes especialistas ou militares, nunca debatida abertamente com a sociedade. Afora as confederações empresariais, não há uma única organização da sociedade civil que acompanhe a questão de portos na região!

Os portos da Amazônia brasileira

Na Amazônia Atlântica há três portos principais: São Luís, com terminais públicos e privados, como o da Vale, que exporta o ferro paraense de Carajás; Belém, público, e que é o mesmo porto capenga, projetado pelos ingleses em 1900, para atender às embarcações a vapor e vela do período da borracha; Vila do Conde (Barcarena), público e privado, próximo a Belém, com calado insuficiente para as necessidades paraenses (entre 11m e 14m); e Santana, no Amapá, público e privado, igualmente, de baixo calado.

Os últimos licenciamentos portuários, como o terminal da Cargill em Santarém ou o novo porto de Manaus, mostraram-se mais como comédias trágico-burlescas que como resultado de estudos bem elaborados, seguidos, naturalmente de diálogo com a sociedade. Este não é, como vimos recentemente, um privilégio da Amazônia. O licenciamento dos portos propostos pelo grupo do empresário brasileiro Eike Batista só avançou mesmo no PortoX, em Itaguaí, no Rio de Janeiro, depois de desembarques frustrados em Santa Catarina e São Paulo (Peruíbe). Em outras regiões do Brasil, como em Ilhéus, Bahia, portos são também palco de fortes emoções. Enfim, um novo porto é assunto explosivo, sujeito a maremotos.

Por que Curuçá?


Ponta da Tijoca, na extremidade direita do estuário Tocantins/Amazonas. Em tupi, o nome significa barro, e indica o ponto onde as águas barrentas do rio se afogam no oceano. Foto: Instituto Peabiru
Curuçá é o derradeiro ponto geográfico da margem direita do maior estuário do mundo, por onde passa ¼ das águas de todos os rios do planeta, o Estuário Tocantins/Amazonas, cujas águas fluviais afogam-se no oceano. É na Ponta da Tijoca [1], na Ilha dos Guarás, referida desde o século XVII nas cartas de navegação, que se projeta, desde a década de 1980, o Super Porto do Espadarte [2], ou Terminal Off-Shore do Espadarte, como alguns propõem. Off-shore por estar fora da costa.

O Espadarte deveria escoar o minério de ferro de Carajás, mantendo os dividendos deste serviço de amarração e desatracagem em solo paraense. Resulta que no planejamento da obra os militares e engenheiros optaram pela Ponta da Madeira, em São Luis, a 892 km de Carajás. A justificativa seria para evitar a custosa travessia de pelo menos 10 km de ferrovias sobre os manguezais de Curuçá. Tem gente que diz que foi uma vitória dos políticos de plantão no Maranhão em detrimento do Pará...

Sucede que, 30 anos depois, a Companhia Docas do Pará – CDP, uma empresa federal, não esqueceu o assunto e, mesmo que a conta gotas, realizou ou incentivou estudos por organizações privadas para viabilizar o Espadarte. Foi assim que surgiram o grupo holandês RDP, e a própria Anglo American. A empresa RDP afirma que adquiriu o direito de posse da viúva de um posseiro de algumas áreas da União (ilhas, praias, mangues, campos apicum etc.) e, a partir daí, construiu as estacas de seu projeto, ignorando inclusive a existência de uma unidade de conservação de uso sustentável (Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá, como veremos adiante).

Os mangues de Curuçá estão entre os mais preservados do mundo e protegem a floresta amazônica. Foto: Instituto Peabiru
A sul-africana Anglo American, 4º maior produtor mundial de minério de ferro, foi ainda mais criativa que seus pares brasileiros. A gigante mundial, que comprou da MMX (Eike Batista) a mina de ferro da Serra do Navio (AP) propõe trazer o minério do porto de Santana (AP), a mais de 600 km via fluvial, em imensos comboios de barcaças, para ser recondicionado em grandes navios, em pleno oceano, onde? Na frente da Ponta da Tijoca!

Em ambos os casos, o que atrai é a capacidade do Canal do Espadarte, com mais de 5 km de extensão, fundo estável de areia, que permitiria receber embarcações com calado superior a 25 metros. Este canal estaria distante cerca de 5 km da Ponta da Tijoca.

Comparativamente, os outros portos amazônicos, como São Luís, Belém, Barcarena etc., dependem de dragagem, além de se sujeitarem ao galeio das marés, mudanças constantes de canais, estações secas etc. Se a Ponta da Madeira, em São Luís, é capaz de atender navios de 350 mil ton [3], Tijoca receberia navios que ainda nem saíram do papel, de 450 mil a 500 mil ton.

E por que a Tijoca? Porque manteria a competitividade brasileira de minérios como o ferro, e abriria possibilidade para outros produtos que estão planejados para o Pará – outros minérios e minero-metalúrgicos: Vale (ALPA (aço), Onça Puma (níquel) , Sossego (cobre)), Norsk Hydro (ALBRAS e ALUNORTE), Alcoa (Juruti e outros) e possivelmente outros players do mesmo tamanho, como a Rio Tinto); biocombustíveis (Vale, Petrobras Biocombustivel), madeira e celulose (Suzano Papel e Celulose, Vale Florestar etc.) e outros produtos que agradecem transporte em grande escala e a baixo custo (grãos, por exemplo). Se Carajás, na década de 1980, fora projetado para exportar volumes inferiores a 100 milhões de ton./ano de minério de ferro, hoje se fala, com a Serra Sul, e a duplicação atual da ferrovia, em volumes que poderão ultrapassar as 300 milhões ton./ano.

Os desafios


Cerca de 100 mil famílias vivem em unidades de conservação de uso sustentável no litoral nordeste do Pará e serão diretamente afetadas pelas instalações portuárias. Foto: Instituto Peabiru
Enquanto se consideram apenas os aspectos físicos, Curuçá realmente aparenta ser um lugar único, especial. No entanto, há características bióticas únicas, além das questões sociais. Por exemplo: o governo federal, atendendo as demandas de milhares de famílias de pescadores, marisqueiras e outras comunidades tradicionais, criou, por decreto presidencial, a partir do ano 2000, oito unidades de conservação de uso sustentável na região – as Reservas Extrativistas Marinhas. Em Curuçá, em 2002, foi a Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande [4] de Curuçá. No total, estamos falando de mais de 100 mil famílias de moradores do litoral da Mesorregião do Nordeste Paraense, que têm nos manguezais fonte fundamental de alimentação e renda.

Alta Biodiversidade em Curuçá

Para as organizações científicas e ambientalistas, os manguezais do Pará e Amapá estão entre os mais bem preservados do planeta. Estariam, também, entre os mais biodiversos em termos da vida marinha, abrigando grande diversidade de moluscos, peixes, camarões, caranguejos, além de avifauna e mamíferos marinhos. Há cinco anos, o Instituto Peabiru e parceiros estudam e trabalham em Curuçá, resultando no projeto Casa da Virada, vencedor de Edital Público Petrobras Ambiental [5]. A este seguiu-se o Criança Esperança (da UNESCO e Rede Globo) para a continuidade da atividade de educação ambiental; e o projeto de ecoturismo de base comunitária, apoiado pelo Ministério do Turismo, desenvolvido pelo o Instituto Tapiaim, iniciativa de bravos jovens locais na estruturação de organização para a educação ambiental e a geração de renda a partir da biosociodiversidade.

Este trabalho da Casa da Virada envolveu mais de 54 técnicos e pesquisadores, tanto do Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG, como da Universidade Federal do Pará - UFPA (campus Bragança) e do Instituto Evandro Chagas, além da participação de centenas de representantes de 35 comunidades e de organizações da sociedade civil de Curuçá, e de órgãos públicos por meio da construção da Agenda 21 Local. Entre as conclusões do Instituto Peabiru e parceiros, e que precisam ser amplamente debatidas [6], destacam-se:


    Mangue na praia. Foto: Instituto Peabiru
  • Criação do Corredor Ecológico da Zona Costeira do Pará – é urgente tratar a região como um conjunto, afinal há 8 (oito) reservas extrativistas federais marinhas, e 2 (duas) Áreas de Proteção Ambiental (APA) estaduais de Algodoal (Marapanim) e Urumajó (Augusto Corrêa);
  • Demarcação e planos de manejo das unidades de conservação – a maior parte das unidades não possui planos de manejo e não há sinalização e demarcação;
  • Proteção urgente para a Mata Amazônica Atlântica – pesquisadores do Museu Goeldi identificaram a necessidade de urgente proteção para o que seria uma nova classificação de fitopaisagem. Este ambiente, único e altamente vulnerável, encontra-se seus principais remanescentes justamente nas ilhas flúvio-marinhas (Ipomonga e outras) onde se projeta o acesso e o retroporto do Porto do Espadarte. Em verdade, o que precisa ser priorizando é: a) Delimitação da área de ocorrência da Mata Amazônica Atlântica; b) Criação de unidade de conservação de proteção integral para proteger seus remanescentes; e c) A criação de uma Estação de Pesquisas, como centro de referência sobre a Mata Amazônica Atlântica, e que proporcione base de apoio física às pesquisas científicas;
  • Efetiva Conservação da biodiversidade - Garantir proteção adequada às espécies de flora e fauna vulneráveis e ameaçadas. Entre as quais há espécies de quelônios marinhos e dulcícolas, aves marinhas e costeiras. A região é ponto importante de apoio para aves migratórias que vem do Hemisfério Norte;
  • Monitoramento de espécies exóticas – especialmente o camarão Gigante-da-Malásia, que escapou do cativeiro. É importante lembrar que portos representam ameaças de organismos trazidos de outras regiões (as águas de lastro e espécies encontradas em cascos de embarcações - algas, fungos, mariscos etc.);
  • Incremento na fiscalização ambiental – é insuficiente a atenção à exploração do caranguejo e a ação predatória de barcos pesqueiros industriais mais afora dos estuários;

    Raízes aéreas do manguezal em Curuçá. Foto: Instituto Peabiru
  • Aprofundamento das pesquisas de arqueologia – a identificação de materiais arqueológico e indícios relevantes apontam o potencial arqueológico da área, especialmente em zonas associadas à Mata Amazônica Atlântica (especialmente na ilha de Ipomonga);
  • Garantir o fortalecimento do tecido social – a partir das organizações de base comunitária, para que estas sejam capazes de representar os anseios das diferentes comunidades. Respeitar e implementar as propostas da Agenda 21 local é um grande avanço.

Naturalmente, essas recomendações não esgotam as demandas locais, reprimidas por décadas.

O que a legislação fala sobre portos em unidades de conservação


Os raros Guarás podem ser vistos neste refúgio do litoral brasileiro. Foto: Instituto Peabiru
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC é claro: para se alterar os limites de uma unidade de conservação federal é preciso de uma lei federal, ou seja, depende do Congresso Nacional. Assim, para se alterar os limites da Resex Mãe Grande de Curuçá e para se alterar a supressão de grandes quantidades de manguezais há diversos requisitos a cumprir, a começar pela vontade das milhares de famílias que vivem dos manguezais e seu entorno, não apenas de Curuçá, mas dos municípios vizinhos.

Em 2010 a Anglo American apresentou o EIA-RIMA de sua estação de transbordo flutuante. Só que se esqueceu de pedir licença ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) – o órgão federal responsável pela gestão da Resex Mãe Grande de Curuçá. Também se esqueceu de considerar o impacto nos 600 km que seu comboio de barcaças percorreria. Bom, a lista de esquecimento é grande. O fato é que o Ministério Público Federal questionou na justiça tal EIA-RIMA e este se encontra embargado. A Anglo American nem poderia ter preparado um EIA-RIMA, o fez à revelia das autoridades.

Os rumores de que agora o Espadarte sai são crescentes. O Espadarte está em diversos discursos e documentos, tanto do poder público como da iniciativa privada. E se a 2ª Esquadra também se interessar por instalar suas bases nos manguezais do Pará? E se o petróleo e gás natural se confirmarem e dependerem de bases de apoio em portos de grande porte? Qual o futuro da Amazônia Atlântica? O que queremos, a Amazônia Atlântica ou a Amazônia Atlântida? O debate é urgente.

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[1] Tijoca significa, em Tupi, barro, aqui, seria para designar o fim das águas barrentas do estuário dos rios Tocantins & Amazonas.
[2] O Espadarte é um dos peixes mais ameaçados da ictiofauna marinha amazônica.
[3] Hoje os navios que fazem a rota São Luis – Roterdã (Holanda), ou da Baía de São Marcos para a China teriam cerca de 350 mil ton.
[4] Mãe Grande porque o mangue é uma mãe e fornece fartura de alimentos.
[5] A Casa da Virada foi escolhida com outra trintena de projetos pelo Edital Petrobras 2007, concorrendo com mais de 900 projetos.
[6] Há recomendações de âmbito regional (para o Salgado e Zona Bragantina), para o município de Curuçá ou para determinadas ilhas ou comunidades.




João Meirelles Filho mora a 800 metros do Porto de Belém é autor do Livro de Ouro da Amazônia (Ediouro) e de Grandes Expedições à Amazônia Brasileira (Metalivros). É Diretor Geral do Instituto Peabiru, ponto focal da Rede Brasileira de Gerenciamento Costeiro no Pará.