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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Charles Chaplin no tempo do taylorismo-fordismo

09 de outubro de 2012, às 11h31min

O filme Tempos Modernos do genial Charles Chaplin, realizado nos início dos anos 30 do século XX, foi uma contundente crítica ao sistema produtivo da época, alicerçado na visão taylorista-fordista com extrema divisão do trabalho

Rever Tempos Modernos de Charles Chaplin é sempre um aprendizado, uma nova experiência que é preciso viver. Desconheço se o genial cineasta havia lido "Os Princípios da Administração Científica" de Frederick Taylor, mas com certeza conhecia muito bem as linhas de produção da Ford, pelo menos pelo noticiário da imprensa. Sua percepção sobre as linhas de montagem, a produção seriada, a extrema divisão do trabalho que levava a um nível de especialização do trabalhador que o filósofo italiano Antonio Gramsci, com alguma razão, afirmou que o modelo estava transformando o trabalhador americano em burros amestrados. É evidente que a leitura daquela realidade através da arte cinematográfica tem os seus exageros, necessários para imprimir uma maior dramaticidade e comicidade ao filme, mas na sua essência, reflete o modo como se desenvolviam as relações o trabalho na época.

Através de elementos simbólicos, Chaplin vai construindo sua crítica profunda ao sistema. Inicialmente mostra um relógio, o símbolo do controle do tempo, o "time is Money", marcando o horário de entrada no trabalho que Weber chamou de prisão psíquica. O controle do tempo através das técnicas de "tempos e métodos" foi fundamental para o aumento da produtividade e redução de custos, numa época em que era preciso produzir em grande escala para atender a crescente demanda de mercado. Em seguida o filme mostra um bando de carneiros ou ovelhas caminhando ordeiros para o matadouro ou a tosquia. Nessa cena a crítica é ferina, ao apresentar os trabalhadores como autômatos, desprovidos de idéias, adestrados para atividades repetitivas. A visão da linha de produção, ainda que de forma simbólica, com o nosso herói apertando parafusos compulsivamente, sem saber para que fim, indica a alienação do operário, sem uma visão do objetivo do seu trabalho, que de tão fragmentado, perdia-se a noção de sua finalidade.

A cena em que é testada uma máquina construída para alimentar os trabalhadores segue na linha de crítica à tecnologia, utilizada para explorar ao máximo o tempo do trabalhador na linha de produção, aproveitando seus momentos de descanso, como o horário de almoço e a parada para o café. A cena é engraçada e absurda, mas representa a idéia da maximização da produtividade, hoje construída sob formas mais sutis. A prática de empresas modernas, de fornecerem aos seus funcionários um celular, pode representar a possibilidade de utilizar o tempo de descanso do trabalhador, pois estará sempre disponível para ser chamado ou consultado sobre problemas da organização. Outra forma moderna de utilização maximizada do tempo do trabalhador, é a Internet, permitindo que funcionários possam despachar, resolver problemas ou mesmo preparar relatórios e enviar à empresa enquanto está em casa ou no clube. Pode parecer descabida a utilização de uma máquina de alimentar, mas Chaplin parece ter tido uma premonição com relação ao uso da tecnologia para cooptação integral da força de trabalho.

Quando o nosso Carlitos vai ao sanitário para fumar um cigarro e dar uma relaxada, aparece a figura sinistra do presidente da empresa invadindo sua privacidade e o despachando rapidamente para o trabalho. Essa cena lembra o romance "1984", de George Orwell, publicado em 1948, antevendo, numa visão futurista e pessimista da sociedade humana, um mundo dividido em duas grandes potências hegemônicas. O mundo em "1984" é manipulado por um sistema de comunicação governamental em que os fatos são apagados ou resgatados, dependendo dos interesses das grandes potências. No romance de Orwell, o personagem O'Brien é vigiado dia e noite pelo Big Brother através da tele-tela. A tele-tela em Tempos Modernos seria uma televisão multidirecional, semelhante à de "1984", permitindo a comunicação dos dois lados. Esse tipo de tecnologia para controle dos funcionários não era disponível na época de Chaplin, pois a televisão ainda estava dando seus primeiros passos. Orwell deveria ter dado os créditos para Chaplin em seu romance, pois quinze anos antes ele já havia "inventado" a máquina de bisbilhotar.

O operário hilário acaba ficando maluco no interior da fábrica, desenvolvendo uma compulsão doentia para apertar tudo que fosse semelhante a um parafuso. Considerado um alienado, Carlitos é internado num hospital psiquiátrico para tratamento. Ao sair, caminha, desolado pelas ruas a procura de emprego, mas as fábricas estão fechadas e o povo está nas ruas para protestar. Ao pegar uma bandeirola vermelha que cai de um caminhão, o pobre Carlitos passa a ser seguido como um líder pelo povo esfomeado que faz protestos nas ruas de Nova York. O cineasta nesta cena mostra o quanto às massas podem ser facilmente manipuladas por alguém capaz de insuflá-las para atingir seus objetivos políticos, bastando levantar uma "bandeira". Mas é na metáfora da prisão que Chaplin faz sua crítica mais sutil contra o fordismo-taylorismo, deixando subentendida a comparação entre o presídio e uma organização empresarial. Muito tempo depois, dois sociólogos organizacionais, Enriquez (1976) e Morgan (1986), vão analisar as organizações pelo seu lado mais sombrio, através da metáfora de prisões psíquicas, pelo poder de recalcamento e repressão que exercem sobre os indivíduos.

Mas o filme é, sobretudo muito divertido e ainda consegue arrancar gargalhadas de jovens em pleno século XXI, já condicionados aos efeitos especiais das grandes produções de Hollywood. Infelizmente, poucos ainda conseguem perceber, entre as estripulias do palhaço com seus modos elegantes, uma profunda crítica social. Entretanto, nos anos trinta, os governantes perceberam isso rapidamente e o filme foi proibido em países como Alemanha e Inglaterra, pois poderia representar sérios problemas caso os trabalhadores percebessem, entre uma gargalhada e outra ou mesmo ao ver o filme pela segunda vez, que estava na hora de transformar o trabalho em algo mais prazeroso e menos alienante.

Elton Mayo e sua equipe tinham acabado de perceber isso e já estavam lançando as bases para uma nova escola da Administração: As Relações Humanas. Essa escola representou uma crítica ainda tímida ao sistema vigente de organização produtiva. A utilização da abordagem sistêmica de Von Bertalanffy na Administração, algum tempo depois, vai colocar o fordismo-taylorismo mais uma vez no banco dos réus, ao defender uma visão sistêmica do trabalho. Mas que ninguém fique muito animado, porque isso ocorre muito mais na teoria do que na prática, pois muitas organizações ainda utilizam a especialização e o controle do tempo em suas plantas. O McDonald com suas linhas de montagem de sanduíches é um retrato retocado da releitura desse modelo em pleno século XXI.

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