Como inventar um novo planeta
20 de janeiro de 2012 | 3h 07
Washington Novaes, jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br - O Estado de S.Paulo
Afinal a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou,
em 19 páginas, seu documento preliminar sobre a conferência mundial
Rio+20, a realizar-se em junho no Rio de Janeiro. O texto O Futuro que
Queremos está repleto de boas intenções, mas quase vazio de meios
concretos, específicos, para a sua realização - reforçando os temores de
tantos estudiosos, muitos deles já mencionados neste espaço, de que a
conferência venha a ser um malogro, ou apenas um espaço para palavras,
sem consequências práticas.
O documento reafirma "a determinação de livrar a humanidade da fome",
por meio da "erradicação de todas as formas de pobreza". E assume o
compromisso de "lutar para que as sociedades sejam equitativas e
inclusivas", de modo a atingirem "estabilidade econômica e crescimento
que beneficie todos".
Também reitera o desejo de atingir, em 2015, os "Objetivos do
Milênio", que incluem essa erradicação da pobreza, a universalização do
saneamento básico (do qual estão excluídos 40% da humanidade), renda
mínima para todos (hoje 40% vivem abaixo da "linha da pobreza"). E que
os países industrializados cumpram o compromisso, assumido na Rio-92, de
ampliar de 0,37% de seu produto interno bruto (PIB) para 0,70% a ajuda
aos países em desenvolvimento, para que se atinjam os objetivos -
atualmente a ajuda é de 0,30%, inferior à de 20 anos atrás, e
pouquíssimos países cumpriram o que assumiram.
Complicadíssimo. O próprio documento reconhece que hoje nada menos
que 1,4 bilhão de pessoas vivem na pobreza; que 1,6 bilhão são
subnutridas, sob a ameaça de pandemias e epidemias "onipresentes"; que o
"desenvolvimento insustentável" agravou o estresse na área dos recursos
naturais.
Por isso tudo e muito mais, diz o documento, o desenvolvimento
sustentável é um "objetivo distante" - e a "governança global" dessa
sustentabilidade é exatamente um dos temas centrais da conferência,
juntamente com a "economia verde". Ainda mais que a ONU pressupõe, para
chegar a esses objetivos, que haja "participação da sociedade nas
decisões", a qual, por sua vez, depende de "acesso à informação".
Pressupõe até a inclusão, nas estratégias, do que está escrito na
Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas.
Da mesma forma, exige eliminar barreiras comerciais e subsídios,
eliminar o "gap tecnológico" entre países desenvolvidos e os demais,
criar até 2015 indicadores para avaliar as transformações, tendo ainda
em conta que crescimento do PIB dos países é um indicador considerado
insuficiente, porque não leva em conta fatores sociais e ambientais. Sem
esquecer que tudo isso deverá estar no âmbito de uma "governança
ambiental internacional", que pode exigir até a criação de uma agência
especializada da ONU.
E vai por aí o documento das Nações Unidas, enumerando objetivos como
reduzir o desperdício de água no mundo, planejar e implantar "cidades
sustentáveis", impedir a perda da biodiversidade e a acidificação dos
oceanos, proteger estoques pesqueiros ameaçados, combater a
desertificação na África, a deposição de lixo eletrônicos e de plásticos
no mar. E, em meio a isso tudo, reduzir os subsídios para combustíveis
fósseis, para proteger a agricultura dos países centrais, para sustentar
a pesca predatória. Assim como duplicar a porcentagem de energias
renováveis na matriz mundial.
Este último item remete ao relatório recente da Agência Internacional
de Energia, lembrando que o aumento de 5% no consumo de energia
primária em 2010 levou a novo "pico" nas emissões de dióxido de carbono,
graças inclusive aos subsídios ao consumo de energias derivadas de
fontes fósseis, que estão em US$ 400 bilhões anuais. Ainda assim, 1,3
bilhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica. E os cenários
traçados para o período que vai até 2035 chegam a prever um aumento de
um terço na demanda de energia, mantida a previsão de aumento de 1,7
bilhão de pessoas na população mundial nesse período e crescimento médio
anual de 3,5% do PIB - 90% do aumento estará fora dos países
industrializados. Tudo isso exigirá investimentos de US$ 38 trilhões em
25 anos, principalmente em estruturas para transporte de energia. O
consumo de combustíveis fósseis deverá baixar apenas dos 81% totais de
hoje para 75%. As energias renováveis - principalmente hidrelétrica e
eólica - responderão por 50% da capacidade que será adicionada.
Num quadro tão difícil, com as dificuldades da conjuntura econômica
mundial, a pouca praticidade dos objetivos da convenção tem gerado
críticas fortes. O renomado economista Jeffrey Sachs, da Universidade de
Colúmbia, tem dito que a conferência do Rio "deve servir para admitir
duas décadas de fracasso no campo ambiental"; para reconhecer que "não
há propostas para a crise"; que "o lobby da indústria de energia venceu
Obama" (Estado, 18/11/2011). Suzana Kahn, que representa o Rio de
Janeiro na conferência, admite que há "um grande risco de a Rio+20 ser
um evento sem consequência nenhuma", já que "não tem nada prático que vá
sair do encontro" (Estado, 21/12/2011).
Muito mais complexa ainda é a questão levantada pelo teólogo Leonardo
Boff, ao lembrar que sustentabilidade é tema muito abrangente: "É toda
ação destinada a manter condições energéticas, informacionais,
físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra
viva, a comunidade de vida e a vida humana" - e ainda assegurando os
direitos das gerações futuras. Meio ambiente, diz ele, não é "algo
secundário e periférico". Que fará a Rio+20 para abrir caminhos que
assegurem tudo isso?
Como haverá também, paralela à conferência do Rio, uma Cúpula dos
Povos por Justiça Social e Ambiental, certamente se dirá que esse avanço
da consciência social poderá abrir caminhos para transformações
políticas que levem à superação das lógicas apenas financeiras no mundo -
e ao desejado desenvolvimento sustentável. Difícil, mas não é
impossível.
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