'Pela taxação de ricos e grandes corporações'
Para JEFFREY SACHS, Rio+20 será 'histórica'. Ele pede fim de subsídios ao petróleo e metas para desenvolvimento sustentável
Jeffrey Sachs
flavia.barbosa@oglobo.com.br
ENTREVISTA
Aos 58 anos, o economista Jeffrey Sachs é uma referência internacional
quando o assunto é desenvolvimento. Há mais de 20 anos dedicado à
construção de políticas de combate à pobreza, ele dirigiu por quatro
anos o projeto das Nações Unidas "Objetivos do Milênio". Na última
década, Sachs mergulhou no tema dos efeitos das mudanças climáticas
sobre o desenvolvimento. Diretor do Earth Institute da Universidade
Columbia, em Nova York, e conselheiro especial do secretário-geral da
ONU, Ban Ki-moon, o economista advoga que o nível e o padrão atuais de
consumo são incompatíveis com o bem-estar no longo prazo e que são
necessárias mudanças imediatas. Sugere taxar ricos e grandes corporações
e eliminar subsídios ao petróleo. Sachs vê na Rio+20 a oportunidade
única de os líderes globais darem o primeiro passo, com a adoção dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em quatro vertentes:
erradicação da pobreza extrema, sustentabilidade ambiental (nas áreas de
energia, produção agrícola e urbanização), sociedades inclusivas e boa
governança.
- Se isso for acordado, a Rio+20 será histórica. Se
não tivermos nem os objetivos, continuaremos no caminho ruim - diz
Sachs em entrevista ao GLOBO.
JEFFREY SACHS : A ideia-chave que
todos devem entender é que entramos no Antropoceno. A atividade humana
no planeta exige tanto do ambiente natural que alterou dramaticamente os
principais sistemas da Terra. Fizemos isso inadvertidamente, como
subproduto do crescimento da economia e da população. Temos sete bilhões
de pessoas, e outro bilhão chegando até 2024, produzindo, em média, US$
10 mil, uma atividade econômica global de US$ 70 trilhões. Isso é tão
grande que está desordenando o clima, acabando com a reserva de água,
destruindo habitats, poluindo grandes cidades. O mundo está avançando na
agenda do crescimento, o que é compreensível, mas sem prestar atenção à
ameaça que isso representa. Por isso, a Rio+20 é tão essencial.
SACHS: Todo mundo vê sua situação econômica, olha para o grupo que está
logo acima e pensa: por que não posso ser assim? Isso leva a uma cadeia
de desejo e pressão global, e é o impulso mais profundo à política em
todos os lugares, que é aumentar as condições materiais. E,
incrivelmente, até as pessoas mais ricas estão desesperadas para ficarem
mais ricas. Isso parece estar estruturalmente incrustado em nossa
mentalidade e na dos políticos. Não conheço um sistema político que não
coloque a expansão do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e
riquezas produzidas em um país) no centro dos objetivos da nação.
SACHS: É extraordinário que um país tenha parado e dito: vamos pensar
no real objetivo do nosso desenvolvimento; não é dinheiro, é o bem-estar
do ser humano, vamos pensar em como maximizar a Felicidade Nacional
Bruta. Mas o Butão está sozinho, os únicos outros países que caminham
nesta direção de alguma forma são as socialdemocracias escandinavas.
Para todo o resto, o objetivo central recai sobre crescimento econômico.
SACHS: Muitas das maiores empresas fazem extração de recursos naturais.
As petrolíferas são as companhias mais poderosas do mundo e gastaram
muito dinheiro e esforço para minimizar as ameças das mudanças
climáticas. Os políticos ficam divididos entre as pressões da população,
que quer mais regulação, e das corporações, que pressionam por menos.
Então temos um sério déficit global de consciência e política nesses
assuntos (de sustentabilidade).
SACHS: Estou tentando começar
com o topo da cadeia, os mais ricos. Porque se você começa pelos pobres,
dizendo "ah, não queira tanto", é injusto e indesculpável. Mas se
milionários e bilionários agem de forma usurpadora (de recursos), não há
desculpa. Estudos mostram que diretores-executivos de grandes
companhias costumam não ter os valores sociais que se esperaria deles,
como responsabilidade e honestidade. Há muito narcisismo e ganância, e
isso polui os valores da sociedade como um todo. Por isso eu apoiei o
movimento Ocupem Wall Street, porque ele aponta para a questão certa.
Terá um grande efeito se os ricos começarem a dizer: "temos
corresponsabilidade com o resto da sociedade, temos que liderar a
promoção de métodos sustentáveis de consumo e produção."
SACHS:
Energia é o sangue de uma economia, sem o qual ela não funciona. Mas,
se a energia está sendo obtida do petróleo, do carvão e do gás natural,
estamos arruinando o planeta. Então precisamos de uma transição global
para um sistema energético de baixo carbono. Isso levará entre 40 e 50
anos provavelmente, mas é algo que requer ação imediata. A segunda
tarefa é o fornecimento sustentável de comida. A produção atual de
comida não é sustentável nem suficiente para alimentar mais um bilhão de
pessoas. Se pudermos solucionar esses dois problemas, solucionaremos
grande parte do desafio da sustentabilidade. Um terceiro desafio é ter
sistemas urbanos sustentáveis. O Brasil tem grandes cidades, como São
Paulo e Rio, e a China tem mais de cem cidades com um milhão ou mais de
pessoas. Essas megacidades são os centros da nossa produtividade, do
nosso conhecimento. Mas muitas são profundamente poluídas, com grandes
favelas e condições precárias de vida. Felizmente, quando se analisa o
que pode ser feito - energia solar e eólica, uso de sementes mais
eficazes por agricultores pobres -, há muitas soluções. Não nos falta
tecnologia. Uma vez que os valores e a objetividade política existam,
podemos usar ciência e boa administração para alcançar resultados.
SACHS: Eu começaria com a taxação dos ricos e das grandes corporações -
lembre-se que grande parte dos ganhos de renda nos últimos 25 anos foi
apropriada pelos muito ricos. Nos EUA, o 1% no topo leva para casa hoje o
equivalente a 23% da renda domiciliar do país. Eles estão vivendo em
mansões e têm frequentemente duas, três, quatro casas. Muitos vivem num
padrão ostensivo de consumo. Também há muitos subsídios à indústria
petrolífera, em comparação ao que há para energia renovável, se é que há
algum neste caso. Não é uma surpresa, porque a nova economia não tem
poder político.
SACHS: A indústria petrolífera é o mais
poderoso lobby nos EUA e no mundo. Trata-se de uma dura batalha, e não
estamos ganhando. Não acho que haja alguém muito otimista, pois as
coisas não vão bem. O clima já está mudando e já perdemos muitas
oportunidades. Temos algumas iniciativas, mas frágeis. A Rio-92 foi um
grande sucesso do ponto de vista da legislação internacional, com três
tratados sensacionais em mudança climática, biodiversidade e
desertificação, mas nenhum dos acordos foi posto em prática.
SACHS: A legislação internacional é um instrumento muito fraco, mas é o
único que temos. Não temos um regime de sanções. Tratados são obrigações
que os Estados Unidos, por exemplo, simplesmente ignoram quase
completamente. Desde a Rio-92, que aconteceu há duas décadas, (os
tratados) estiveram nas mãos de advogados, que argumentam sobre o
significado de cada palavra. Não estiveram nas mãos de engenheiros, que
realmente fazem algo sobre essas questões. Uma das maneiras pelas quais
eu espero acabar com este gargalo é tirar esse assunto, na próxima fase
(de mudança de padrões), das mãos dos advogados e tentar colocá-lo nas
mãos de uma rede global de cientistas e institutos que proponham
soluções práticas para o que Brasil e EUA devem fazer. Se a opinião
pública se animar com essa abordagem prática, talvez possamos fazer os
políticos assumirem responsabilidade. Esta é uma área na qual vou
trabalhar nos próximos três anos quase em tempo integral.
O senhor acredita que podem sair acordos concretos da Rio+20?
SACHS: Eu espero que os líderes firmem acordo em um grande tema: o
mundo precisa de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Eles
seriam implementados a partir do fim dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODMs, em 2015). Se isso for acordado, a Rio+20 será histórica.
Se não tivermos nem os objetivos, continuaremos no caminho ruim.
SACHS: Provavelmente, os líderes mundiais vão, na Rio+20, celebrar
acordo sobre a necessidade dos objetivos. Depois disso teremos um ano de
discussões para estabelecer quais são os objetivos, e a adoção das
metas seria ratificada no âmbito das Nações Unidas em 2013. Na minha
opinião, os ODSs deveriam ter quatro pilares. O primeiro seria concluir a
erradicação da pobreza extrema. Diríamos que os ODMs foram tão
bem-sucedidos que devemos ir até o fim, para garantir que todos no mundo
tenham uma vida decente. O segundo seria um conjunto de metas para
sustentabilidade ambiental: um sistema energético de baixo carbono,
fornecimento sustentável de comida e urbanização sustentável. O terceiro
pilar seriam sociedades inclusivas, mais igualitárias, sem deixar
mulheres, pobres, minorias e regiões para trás. O quarto seria boa
governança. Governos de todos os níveis, das comunidades locais à
comunidade global, na ONU, devem se comprometer com o alcance do
desenvolvimento sustentável. Muitas pessoas sentem que é um pouco
ingênuo apenas declarar esses objetivos. Mas a minha experiência diz que
declará-los já faz diferença. Vejo os ODSs como complementares aos
tratados. Os objetivos são para a sociedade, não para os advogados. Isso
é importante porque a sociedade pode se mobilizar e dizer "não gostamos
muito dos nossos políticos, não somos advogados, não sabemos o que esta
ou aquela palavra significa, mas nos importamos com as vidas de todos e
queremos que esses objetivos se concretizem". E esta é uma força muito
mais poderosa do que fazer valer tratados. Por isso, precisamos engajar a
sociedade civil global nos ODSs.
SACHS: Acredito, pois é a única oportunidade que teremos de sermos bem-sucedidos!
SACHS: O Brasil tem essa imensa realidade, que é ser uma crescente
potência da economia mundial, ter larga participação em assuntos como
comida, minerais e energia e liderança em tecnologias de ponta, como a
fabricação de aeronaves. O Brasil é, inevitavelmente, um ator
importante. E tem uma característica única de ter tudo isso acontecendo
em um lugar único em nosso planeta, de incrível biodiversidade, belezas
naturais e vulnerabilidades. De uma certa forma, o Brasil é a epítome do
desafio do desenvolvimento sustentável. Isso é inescapável para o país,
que cada vez mais entende que, se o mundo não fizer sua parte, nem o
trabalho interno poderá salvar o Brasil. Por ser esse país tão grande,
importante e único, o Brasil tem a responsabilidade da liderança
(global). Ao ser anfitrião das duas conferências ambientais mais
importantes em duas gerações, a oportunidade está dada e é agora.
ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA
NO VESPERTINO PARA TABLET
"O GLOBO A MAIS"
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