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quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Valor Econômico - 27/04/12 
 
Verdes e ruralistas põem governo na berlinda

 
Depois de meses de negociação, o novo Código Florestal aprovado anteontem pelo Congresso desperta a revolta dos ambientalistas e o alívio dos ruralistas, que conseguiram prevalecer sua posição e mudar o teor da legislação cuja origem é de 1934. Para o ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, o Código representa um retrocesso jamais visto, após muitas tentativas fracassadas. Ele afirma que, pela primeira vez, um governo cedeu, por omissão, e abriu a porteira para as demandas dos conservadores. Na opinião do número 2 do ministério quando a ex-senadora Marina Silva ocupava a Pasta, a culpa é da presidente Dilma Rousseff, que tem menos sensibilidade ambiental do que todos os seus antecessores na Presidência.

No entanto, para o economista André Meloni Nassar, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), a versão do novo Código Florestal é "muito boa". Ele duvida que a presidente Dilma Rousseff vete qualquer passagem do texto e, em que pese a "vitória política" alcançada com o documento aprovado na Câmara, o setor do agronegócio perdeu a batalha junto à opinião pública. "Todos usam agora o termo 'desmatador' para se referir a nós", alega.

Nassar já prevê outra batalha a ser travada pelo setor: a abertura de novas áreas para a expansão da produção, especialmente no cerrado. "Uma coisa é a Amazônia, que você abre terra, em geral, para ocupar com pastagem. Outra é o cerrado, que você abre para ocupar com agricultura de alta produção. Está comprovado que em muitas regiões isso traz desenvolvimento econômico", defende. A seguir, leia os principais trechos das entrevistas concedidas por Capobianco e Nassar ao Valor:
Valor: Como o senhor qualifica o Código Florestal aprovado pelo Congresso?

João Paulo Capobianco: Ele vai na contramão completa da história. Não resolve os problemas que ele em tese se dispôs a resolver, principalmente a questão da insegurança jurídica no campo e da compatibilização entre produção e conservação.

Valor: Ainda há pontos que podem causar insegurança jurídica?

Capobianco: Com certeza. Se você analisa as emendas do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), ele agrava uma questão impressionante. Um exemplo claro disso é a recuperação de vegetação nativa nas margens de rios. O projeto cita exclusivamente a situação para os rios de até dez metros. A partir daí não há nenhuma definição. Você abre para uma interpretação subjetiva do que deve ser ou não recuperado. É um pequeno exemplo, mas ele se repete em vários momentos, como em relação à vegetação da área urbana. Há uma retirada da atribuição do poder público sem que se tenha colocado com clareza o que pode e o que não pode. O Código vai criar um vácuo.

Valor: É um retrocesso em relação ao código anterior?

Capobianco: É uma aberração. O relatório do deputado Paulo Piau começa retirando do Código Florestal o conceito definido em 1934, e mantido ao longo de todas essas décadas, de que o Código tem como fundamento central a proteção às florestas e as demais formas de vegetação nativa, em harmonia com a promoção do desenvolvimento econômico. Ele começa eliminando isso. Parece até uma brincadeira, mas não é. Já revela na primeira emenda a intenção do relator e não só dele, mas do Congresso, do resultado final. Temos o Ministério do Meio Ambiente com o menor perfil da história. Há uma omissão completa

Valor: O governo perdeu ou ele também pode ser responsabilizado pela aprovação?

Capobianco: Não, eu não acho que o governo perdeu. Quem perdeu foi a sociedade. O governo atuou o tempo todo na linha da flexibilização. O governo se omitiu. Dada a relevância e por ser um tema de grande abrangência e que diz respeito a interesses dos mais variados setores da sociedade, isso deveria ter sido uma iniciativa do Poder Executivo. Os deputados recuperaram um projeto, que já estava inclusive engavetado porque o autor original não tinha sido reeleito, e iniciaram a tramitação. Aí o governo, incluindo o Palácio do Planalto e o Ministério do Meio Ambiente, não atuou ao longo do processo de formulação do projeto. O projeto correu absolutamente livre, solto. A própria constituição da comissão responsável pelo projeto teve um desbalanço incrível, o que é histórico. É muito raro encontrar uma comissão tão
desbalanceada para um lado dos deputados...

Valor: Ruralistas?

Capobianco: Esse termo ruralista é muito ruim, coloca sob a mesma etiqueta gente muito séria, com gente muito pouco séria. É genérico e não é correto.

Valor: Que termo seria melhor?

Capobianco: A banda conservadora do setor rural, que é a que está majoritariamente representada no Congresso.

Valor: Isso não justifica que ela tenha sido representada de acordo com seu tamanho na comissão? O resultado do Código não mostra que a correlação de forças na sociedade seria desigual?

Capobianco: Não, as pesquisas de opinião pública revelam o contrário. A própria composição do Congresso tem uma característica bastante conservadora já há muitas legislaturas.

Valor: Podemos dizer então que os interesses da banda ruralista conservadora são mais bem organizados que os dos ambientalistas?

Capobianco: Eu diria que o modelo eleitoral brasileiro leva a isso. As campanhas são cada vez mais caras. O modelo viabiliza aquele que é capaz de mobilizar mais recursos. E essa capacidade tem a ver com o setor privado e, portanto, há um círculo vicioso. Aquele que defende o interesse privado tem mais chance efetivamente de obter recursos para a sua campanha e, logo, muito mais chance de estar representado.

Valor: Por outro lado, não há oficialmente um partido dos ruralistas enquanto, mal ou bem, existe o Partido Verde, que não pende a balança para o lado dos ambientalistas.

Capobianco: É, mas a questão ambiental não cabe em partidos. É uma temática transversal. Não vejo aí uma contradição. O que vejo é uma presença marcante de parlamentares conservadores no Congresso Nacional, que não atuam apenas nessa agenda do Código, mas em várias agendas, na tributária, fiscal. Não é só a agenda ambiental que encontra resistência.

Valor: O momento eleitoral não é crucial para se arrancar compromissos? Marina Silva (ex-PV, hoje sem partido) não deveria ter negociado essa agenda no segundo turno da disputa presidencial, quando tinha capital político, em vez de optar pela neutralidade?

Capobianco: Olha, eu acho que não foi um erro. Se tivéssemos apoiado o PT, por exemplo, estaríamos respondendo solidariamente pelo retrocesso na agenda socioambiental verificado neste último ano. Estamos assistindo a um período de refluxo muito intenso. As iniciativas de refluxo são muito antigas. Elas foram várias, em vários governos. E sempre tivemos uma resposta do Poder Executivo muito firme. O próprio Código foi alvo de uma tentativa de revisão entre 2000 e 2002 que iria levar a um resultado similar a este. E foi a ação do Poder Executivo, à época o presidente Fernando Henrique Cardoso, que invibializou e retirou o projeto de pauta. No governo Lula, também surgiram várias tentativas e todas elas foram trabalhadas pela base de apoio para que não proliferassem. O que assistimos neste governo é uma omissão
completa.

Valor: Dilma presta menos atenção à questão ambiental do que seus antecessores?

Capobianco: Com certeza, ela tem uma sensibilidade para a questão ambiental muito menor que todos os antecessores. Temos o Ministério do Meio Ambiente com o menor perfil da história. Sempre tivemos operadores, ministros com alta capacidade de articulação com a sociedade e dentro do governo.

Valor: É culpa do desenvolvimentismo da presidente?

Capobianco: Eu diria que a presidente Dilma, entre o desenvolvimento acelerado e a conservação ambiental, ela não pensa na compatibilização. Suas ações recentes mostram claramente isso. Ela compartilha, inclusive, com o resultado da negociação do Código no Senado, que era um enorme retrocesso também.    

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