Otimista com a Rio+20, deputada que participou da elaboração da Agenda 21 acredita que as soluções para as grandes questões do meio ambiente estão nas cidades
- Entrevista
- 27/05/2012 18:02
Rio de Janeiro - Engajada nas discussões sobre desenvolvimento
sustentável desde a preparação da Agenda 21, na Rio 92, Aspásia Camargo
se dedica no momento ao que considera ser um "trabalho de parto": a
formação do documento final da Rio+20. Deputada estadual pelo PV no Rio,
e pré-candidata à prefeitura da cidade, ela se divide entre o mandato e
as reuniões na sede da ONU, onde esteve no dia 4 e para onde parte
novamente na próxima terça-feira.
Inimiga do que considera a absurda rivalidade Rio-São Paulo, Aspásia,
que é representante da União Nacional dos Legisladores na Rio+20, vê nas
cidades os problemas, mas também as soluções para grandes questões do meio ambiente.
“Isso (a disputa) é coisa da República Velha. Estaremos conurbados em
2050. Vai ser uma coisa só”, prevê. Defensora da criação de uma agência
de desenvolvimento sustentável, ela rejeita a tese de que a conferência
de 20 anos atrás tenha fracassado.
Mas não tem dúvida de que houve falhas graves na implementação do que
foi acordado. Aspásia é também a memória vida do ambientalismo no
Brasil, e vê com otimismo o clima para a realização da Rio+20.
"Em 1992, nós tínhamos um legado. Não exercemos porque o Brasil estava
na pior crise da história", compara, na seguinte entrevista ao site de
VEJA:
Vinte anos após da conferência, o que se avançou em relação ao desenvolvimento sustentável?
A Rio+20 se sustenta em um conjunto de diagnósticos muito grave sobre
clima, biodiversidade, desertificação, desaparecimento das florestas.
Isso é a herança de 92. Os limites do planeta estão já devidamente
inventariados. Isso gerou um impacto na área científica, de governo,
empresarial. Por que nós sabemos tanta coisa e não conseguimos avançar?
Os governos continuam se movendo dentro do velho paradigma produtivo,
herdeiro da revolução industrial, que ainda não deu sinais de querer se
extinguir por autodestruição. Ele está aí, envolve governantes e
instituições. Quando o modelo produtivo se consolida, ele ocupa as
instituições. Para você inverter a situação, é um verdadeiro trabalho de
parto. A Rio+20 é um parto. Você começa com a contração de dez em dez
minutos, elas aumentam por pressão dos atores e de interesses. Quando os
chefes de estado se reunirem no dia 20 de junho, o bebê acaba nascendo.
Seja o que for, bonito ou feio, vai nascer.
O que vai nascer? Na Rio 92, tivemos as convenções e as
declarações. A Rio+20 está preparando uma declaração conjunta, apenas. O
que vai sair dela?
Que bom que não teremos convenções. Se saísse alguma outra lei ou
convenção para me distrair, eu acharia muito desagradável. Já fizeram
800 fóruns de discussão e não deu em nada.
As convenções não deram certo?
Deram. Mas elas não conseguem ser implementadas. O que nós precisamos é
implementar. Mas os governos não estão preparados. No princípio era o
verbo. É como tudo começa. A principal questão é criar um consenso
mundial de que as coisas não podem continuar como estão. O caminho da
humanidade tem que passar por um outro lugar, por outro sistema, outro
modelo, outro paradigma. O germe já está aí. Mas isso não quer dizer que
o que a conferência se dispôs a fazer está garantido. O documento diz:
"estamos determinados a tomar medidas ousadas e decisivas". O que todos
nós estamos nos perguntando é: Quais medidas decisivas e ousadas serão
tomadas? Se eles estão dizendo isso e nada nesse sentido ocorrer ao
final da conferência, vai ser uma grande frustração. Mas é como um
iceberg. O que é negociado é o ponto visível, e dois terços estão
submersos, invisíveis, na constituição e no consenso.
Teremos uma rodada extra de negociações. Segundo a avaliação da própria ONU e do governo brasileiro as negociações estão lentas. Teremos uma rodada extra de discussões por causa disso. Ainda não se atingiu o que se esperava?
Há uma lentidão muito grande. Isso é fruto do medo. Mas não é
necessariamente a prova de que nada vai acontecer. Pode ser um tempo de
maturação. No Brasil, estamos tendo uma série de críticas e cobranças em
relação à política ambiental e isso está acontecendo em todos os
lugares. O conteúdo da declaração que já temos, mesmo com toda a
lentidão processual, já é um documento de grande importância
internacional. Só é preciso haver uma capacidade mandatória. Que o
documento exija um retorno e não seja apenas uma recomendação vaga,
sugerindo iniciativas voluntárias. Deve haver um prazo até 2015 para
definir o arcabouço dos indicadores e das metas para o desenvolvimento
sustentável. A comunidade científica é que vai ter um peso muito grande
na Rio+20. Isso vai ser a salvação da conferência. O grande pulo do gato
é a criação de um IPCC do desenvolvimento sustentável
O conceito de desenvolvimento sustentável é muito amplo. O que está sendo deixado de fora do documento?
Temos que ser práticos. É um documento muito importante para a
consolidação de determinados valores. Isso não é irrelevante, você
conseguir um consenso. É preciso para um planeta em globalização ter
alguns valores comuns. Estamos construindo essa sociedade global com
esses valores. O documento não vai ficar consolidado porque incluiu isso
ou tirou aquilo, mas sim pelas âncoras que colocar em alguns temas
centrais que vão poder inspirar uma ação de intervenção no processo
governamental e no sistema produtivo.
Como você compara a conferência há 20 anos, quando a senhora teve forte atuação, com a de hoje?
Era muito diferente. A ideia de que o planeta precisava ser protegido
era central, mas não havia o sentimento de urgência e nem de gravidade
que tempos hoje. Era um momento de grande expansão econômica. O
ambientalismo era a ovelha negra. O "ecochato" ficava vendo defeito em
uma coisa que parecia tão boa e otimista. Esse clima de otimismo, no
fundo, não ajudou. Foi isso que fez com que ninguém cumprisse meta
alguma. Por que vamos reduzir as emissões se o mundo está tão bom, tão
belo? Por isso, como socióloga do desenvolvimento, digo que a crise
econômica atual não é ruim. Pode ser que os países estejam aflitos e não
queiram se comprometer com mais restrições, com mais controle.
Mas é
boa para mostrar que o modelo antigo está em exaustão. O pessimismo
geral que corre o mundo encontra um antídoto muito poderoso nessa saída.
Nós podemos mudar a direção, pensar em economia verde e em outras
soluções. Se você somar todos os investimentos em infraestrutura
necessários, verá que é a chance de começar a aplicar um modelo novo em
algo que é tradicional de modo em que inclua ações mais sustentáveis.
Como essa nova economia pode prevalecer?
Se as nossas empresas, que constroem, que geram energia, que geram
transporte, souberem fazer direito, elas vão sair ganhando. Essa é uma
grande lição do meio ambiente à economia. Quando as empresas começaram a
praticar ecoeficiência e a diminuir desperdício por pressão ambiental,
todos diziam que estavam atrapalhando o desenvolvimento. O que nós vimos
foi o inverso. As empresas que aderiram aumentaram a produtividade.
Quando você aplica os princípios do meio ambiente, você ganha em
eficiência econômica.
Isso vai ser demonstrado na Rio+20?
A preocupação do documento em integrar os pilares (social, econômico e
ambiental) é quase obsessiva. Além de integrar os pilares, a economia
verde tem que preencher determinados requisitos. Isso gerou graves
equívocos. O primeiro é a falta de uma definição para a economia verde
no documento. O que está por trás disso é o medo de que economia verde
fosse algo ruim. Mas isso não é verdade. A economia verde é uma proposta
dos verdes. Em 1992, foi a primeira vez que os Global Greens se
reuniram. O movimento verde já nasceu advogando a ideia de esverdear a
economia. Já dizíamos que o PIB media coisas destrutivas que não
deveriam ser consideradas como desenvolvimento nem crescimento. Aparecem
pessoas dizendo que a economia verde é ruim, que é coisa do
capitalismo, é coisa das corporações. Na verdade, foi uma coincidência. A
economia verde é inovação. Você tem que aumentar a eficiência e
modificar os padrões de produção e consumo. E é aí que a diplomacia
brasileira está jogando toda a sua energia e os países desenvolvidos
estão aderindo. É o capítulo mais difícil da Agenda 21 global: mudança
de padrões de produção e consumo.
Isso envolve diminuir o consumo. Todos estão aderindo à ideia?
O que essa conferência traz de ameaçador, em um certo sentido, para os
países desenvolvidos, mas de estimulante para os países em
desenvolvimento — uma espécie de vingança simbólica — é a ideia de que
você vai cortar o barato do consumismo. Se isso não for mudado, não será
possível abrigar 9 bilhões de pessoas no planeta.
Como esses padrões de consumo podem ser modificados? Qual é a grande sacada?
Temos que diminuir drasticamente o descartável, que já pareceu uma
coisa tão moderna. Mas na verdade você pode beber em um copo que você
pode lavar e usar de novo. É melhor do que você pegar uma montanha de
copos, jogar tudo fora e ter que comprar outro. Outro fator é o combate
ao hedonismo da sociedade capitalista de abundância. As pessoas gastam
demais por vaidade, por inconsequência. As pessoas costumavam se
orgulhar de ter roupas que duram. A ideia de que você tem que descartar
tudo para comprar na próxima estação precisa ser modificada. São padrões
culturais que precisam ser conscientizados. É preciso neutralizar isso
com práticas mais sóbrias. Nós brasileiros estamos vivendo em uma
sociedade do consumismo. Todo o dinheiro que você tiver, o governo diz
para gastar para movimentar a economia. Nós temos que movimentar as
coisas de um outro jeito.
Ao mesmo tempo em que o Brasil está crescendo internamente e estimulando a cadeia produtiva e o consumo, o país busca uma modificação nos padrões internacionais dos países desenvolvidos. Isso não é contraditório?
É. Mas temos que explorar essa contradição em favor da evolução e não
em favor do que está errado. É difícil pedir a solução de todos os
problemas. Mas o Brasil tem o compromisso de ser vanguarda. O país ainda
não tomou essa decisão. Mas tenho certeza que a presidente Dilma deve
estar pensando muito nisso. Ela vai receber mais de cem chefes de
governo e de estado. Acho que ela vai refletir sobre a importância de o
Brasil deixar de ser uma espécie de maria-vai-com-as-outras do sistema
mundial. O Brasil hoje é exportador de produtos primários. Isso nem
sequer honra o nosso passado. O agronegócio é útil e importante, mas não
podemos ficar só na mão dos agronegócio.
Como o Brasil pode exercer um papel central?
A primeira conquista da Rio+20 é integrar os pilares na ONU. Acho ótimo
fortalecer o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Mas precisamos de uma agência de desenvolvimento sustentável, um grande
centro mundial. Esses dez meses, dediquei enorme energia para ter um
legado dessa conferência para o Brasil. E esse legado, para a minha
emoção, vai sair. Eu só quero que ele saia com a grandeza que esse país e
essa cidade merecem. Em 1992, nós tínhamos um legado. Não exercemos
porque o Brasil estava na pior crise da história. Eu criei esse centro
na FGV (CIDS - Centro de Desenvolvimento Sustentável). Não tinha
condição de operar globalmente com ele. O Brasil sequer conhecia o
vocabulário da globalização. Não sabia nem conversar com qualquer coisa
que estivesse fora das nossas fronteiras. Por motivos muito concretos.
Não tinha sistema administrativo para isso.
O quanto já conseguimos avançar?
Agora o Itamaraty está consciente dessa importância. O prefeito vai
tomar uma decisão estratégica nos próximos dias. Estou propondo a ele um
grande centro mundial que tenha como um dos seus principais objetivos
não só acompanhar e monitorar o desenvolvimento sustentável do planeta,
com um sistema de informações e de acompanhamento com alta tecnologia.
Temos que jogar todos os esforços nos temas que a conferência eleger
como principais. Esse centro, por exemplo, precisa também de um centro
de cidades sustentáveis. Nós conseguimos que as cidades sejam tratadas
como grandes protagonistas. Na questão climática, você pode dizer que os
Estados Unidos têm uma posição extremamente conservadora e
impenetrável. Mas você não pode dizer isso de Los Angeles e de Nova
York. Se as cidades são o problema onde se concentram 70% das emissões,
elas também são a solução.
Quem está envolvido na criação desse centro? Seria uma agência da ONU?
Seria um misto da ONU, com promoção pelo Brasil. Algo como um centro
global com os governos. Precisamos de um pacto federativo para atender
os níveis de governo. Precisamos de um sistema de participação
científica que atraia os talentos para as discussões e debates.
Precisamos incluir as empresas brasileiras e internacionais que tenham
esse empenham precisam estar conosco. Temos dois grandes apoiadores. O
Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud) e a Universidade das
Nações Unidas em Tóquio, que quer ter aqui um instituto de estudos
avançados da sustentabilidade. O embaixador (André Corrêa do Lago,
negociador chefe do Brasil para a Rio+20) deu a algumas pessoas a
incumbência de consolidar uma proposta e estamos nos preparando para
fazer isso acontecer. A questão é saber onde como e com quem. Queremos
os atores estratégicos conosco. Um compromisso com comunidades
sustentáveis para erradicar a pobreza. A economia verde tem que ter um
papel social e distributivo, mas também não temos medo de dizer que
economia é bom, que empresa é bom. Queremos ter esses atores conosco e
os princípios da governança.
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